PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA
Vida dupla
Sexta-feira 29 de abril de 2016
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 18 de 5 de maio de 2016
Os conselhos de são João à «Igreja adolescente» do primeiro século são valiosíssimos também para nós hoje e Francisco repropô-los relançando precisamente os conteúdos da primeira carta do apóstolo: não levar uma vida dupla e não cair na mentira, cientes de que, mesmo sendo pecadores, temos um Pai que nos perdoa. «A liturgia de hoje — observou imediatamente — fala-nos de mansidão, de humildade; fala-nos do alívio de Deus, quando estamos cansados, oprimidos; fala-nos de doçura». E é precisamente «o que Jesus diz no Evangelho, quando louva o Pai: “Senhor, escondeste estas coisas aos doutos e revelaste-as aos mais pequeninos”». O Senhor, acrescentou o Papa citando o trecho evangélico de Mateus (11, 25-30), «fala-nos de pequenez, daquela pequenez que agrada a Deus».
Também na primeira carta do apóstolo João (1, 5-2, 2), explicou, «é o mesmo estilo que chama a atenção: faz-nos pensar num avô que aconselha os seus jovens netos». Com efeito João «dirige-se a uma “Igreja adolescente”, mas também a uma Igreja que, para permanecer fiel, deve manter-se pequena como uma criança, aberta, humilde».
Particularmente significativas, sugeriu o Papa, são as primeiras palavras da carta de João: «Meus filhinhos». Naquela expressão encontra-se «precisamente a sabedoria de um avô que fala e tem uma herança». E «qual é o conselho que dá? Não sejais mentirosos! Não digais nem façais compreender que Deus é mentiroso». Mas «como dá este conselho? Com duas palavras entre si opostas: luz e trevas; pecado e graça». É evidente que, afirmou o Pontífice, «se nós dizemos que estamos em comunhão com Deus, que é luz, e caminhamos nas trevas, somos mentirosos». Por isso João «diz simplesmente: permanecei na luz; sede abertos com a verdade do Evangelho; não percorrais caminhos obscuros, tenebrosos, porque neles não há a verdade do Evangelho; neles esconde-se outra coisa, não sejais mentirosos!».
Portanto, «sempre a luz». Por isso, «se disseres que estás em comunhão com o Senhor, caminha na luz: não a uma vida dupla! Não!». Por conseguinte, um não decidido «àquela mentira que estamos tão habituados a ver, a cair nela também nós: dizer uma coisa e fazer outra». É uma tentação que se repete sempre. Mas «nós sabemos de onde vem a mentira: na Bíblia, Jesus chama o diabo o “pai da mentira”, o mentiroso».
Precisamente «por isto, com tanta ternura, com tanta mansidão, este avô diz à “Igreja adolescente”: não sejas mentirosa! Tu estás em comunhão com Deus, caminha na luz; pratica obras de luz, não digas uma coisa se depois fazes outra, não à vida dupla e a tudo isto». O de João «é um conselho simples, mas que nos ajuda porque nos leva a pensar em nós mesmos». A este propósito, Francisco sugeriu também algumas perguntas diretas para um exame de consciência pessoal: «Eu caminho sempre na luz? Sempre sob a luz de Deus? Sou transparente ou algumas vezes sou obscuro e outras luminoso?».
«Se dissermos que estamos sem pecado, enganamo-nos a nós próprios» admoestou o Papa. Porque «todos somos pecadores, todos temos pecados». Assim «se dissermos que estamos sem pecado, tornamos Deus um mentiroso». E «a sua palavra não está em nós, porque todos somos pecadores». João, na sua carta, é claro e explica: «Não tenhais medo, meus filhinhos, escrevo-vos estas coisas para que não pequeis, mas se alguém pecou, se alguém peca, não desanime. Temos um Paráclito, uma palavra, um advogado, um defensor junto do Pai: Jesus Cristo, o Justo. Ele justifica-nos, ele concede-nos a graça».
Ouvindo estes conselhos de João, disse Francisco, «vem vontade de dizer a este avô: “Mas não é tão mau ter pecados?”». Não, prosseguiu o Papa, «o pecado é mau! Mas se tu pecaste, repara que te esperam para te perdoar! Sempre! Porque ele — o Senhor — é maior do que os nossos pecados».
«É esta — explicou Francisco — a vida cristã, é este o conselho que o avô dá aos seus netinhos, a esta Igreja do primeiro século que já é uma bonita experiência de Jesus: sempre à luz, sem mentiras, sem esconder, sem hipocrisias. É o caminho da luz».
Em relação ao pecado, Francisco repetiu que se é verdade que «todos somos débeis e todos pecámos», permanece forte o convite a não ter receio porque Deus «é maior que os nossos pecados, é melhor». E «ele espera-nos com aquela atitude que recitámos no salmo: “Misericordioso e piedoso é o Senhor. Lento para a ira e grande no amor. Assim como é terno um pai para com os seus filhos, também o Senhor é terno em relação a quantos o temem, porque Ele sabe bem de que somos plasmados. Recordemo-nos que somo pó”» (Sl 102).
É, no fundo, «a experiência tão bonita de procurar o Senhor, encontrar o Senhor». Até reconhecer que escorregamos, que pecamos. Para ouvir do Pai: «Fica tranquilo, eu perdoo-te, abraço-te». E «esta é a misericórdia de Deus, é a grandeza de Deus: é maior que os nossos pecados, mais terna, porque ele sabe que somos pó, que nada somos, a força vem unicamente dele». E «assim o Senhor espera-nos sempre».
Na conclusão da homilia, Francisco convidou a reter na mente a leitura litúrgica do dia, João que como um avô nos aconselha e nos chama «meus filhinhos». E, seguindo aqueles conselhos, «caminhamos na luz porque Deus é luz: não estar com um pé na luz e o outro nas trevas; não ser mentirosos». O importante é estar sempre cientes de que «todos pecámos» e «ninguém pode dizer: este é um pecador, esta é uma pecadora», mas «eu, graças a Deus, sou justo. Não!». Porque, disse ainda o Pontífice, «um só é justo, aquele que pagou por nós». E «se alguém peca, ele espera-nos, perdoa-nos porque é misericordioso e sabe bem de que somos plasmados e recorda que somos pó». Precisamente «a alegria que nos dá esta leitura — desejou o Papa — nos anime na simplicidade e na transparência da vida cristã, sobretudo quando nos dirigimos ao Senhor. Com a verdade».
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