CARTA DO PAPA FRANCISCO
AO CARDEAL ANGELO DE DONATIS,
GRÃO-CHANCELER DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE LATERANENSE
Ao Venerado Irmão
Cardeal Angelo De Donatis
Grão-Chanceler da Pontifícia Universidade Lateranense
1. Chamada a educar para a responsabilidade pelos dons da criação, a Igreja desempenha o seu compromisso também na formação para o verdadeiro significado de cada ação destinada a preservar, proteger e garantir a vida na e da Terra, consciente de que se trata de uma obrigação a que todos são chamados, nas diferentes funções e tarefas exercidas. Crentes e não-crentes, temos o dever de assegurar não apenas uma sustentabilidade abstrata ou de proclamar o bem das gerações vindouras, mas de predispor os meios para salvaguardar os vários ecossistemas e os seus componentes, cientes de que não nos é dado dispor deles sem limites. Além disso, exigem-no as graves repercussões que a falta de consciência ecológica provoca não só no meio ambiente, mas também nos relacionamentos humanos e na vida social, alimentando a cultura do descarte que significa sobretudo exclusão, pobreza, desigualdades, deslocações forçadas de populações e incapacidade de satisfazer as necessidades básicas.
Diariamente, toda a família humana constata que o cuidado da criação está ligado aos progressos das ciências, à relação entre diferentes culturas, aos processos de construção da paz e da cooperação, assim como impõe a releitura dos princípios primários do viver social. Perante a degradação que ameaça o planeta, expressões como liberdade, justiça, respeito recíproco, solidariedade, equidade e bem comum são desprovidas de todo o significado e utilizadas para “justificar qualquer ação” (Fratelli tutti, 14). Por isso, educar e formar permanecem os caminhos a percorrer para passar do compromisso a favor do meio ambiente para uma correta responsabilidade ecológica.
2. Na Igreja católica, a atenção à tutela da criação encontra raízes no património de reflexões, ideias e instrumentos para o agir, contidos na sua doutrina social. É o que resumem princípios como o destino universal dos bens, a utilização racional dos recursos, a conversão ecológica, a indivisibilidade do livro da natureza, além de alguns indicadores operacionais essenciais como a ecologia integral, a escuta da natureza, a prevenção de danos ao meio ambiente, a estabilização do clima e a preservação da biodiversidade, das águas e dos terrenos.
Contudo, não podemos esquecer que é graças ao Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, se entre os cristãos amadureceu a preocupação pela questão ecológica, pela preservação dos dons da criação, do património natural, inclusive com numerosas iniciativas para sensibilizar e exortar os crentes e as demais comunidades religiosas ao respeito pelo meio ambiente. Uma reflexão que, perante a extinção das espécies, a destruição da diversidade biológica, as mudanças climáticas causadas pela destruição das florestas, a contaminação da água, do ar e da vida, não hesitou em dizer: «Estes são pecados» (Bartolomeu I , Discurso no simpósio sobre o meio ambiente, Santa Bárbara, Estados Unidos, 8 de novembro de 1997).
Este sentimento comum contribuiu para aprofundar o diálogo entre as nossas Igrejas, orientando-o também a captar a sabedoria que se concretiza na ação educativa e no papel central da Universitas, lugar-símbolo daquele humanismo integral que precisa continuamente de ser renovado e enriquecido mediante o entrelaçamento dos saberes, das artes e das ciências. Com efeito, é necessário que a formação universitária saiba enfrentar os numerosos desafios postos no momento atual à humanidade inteira e às comunidades de fiéis, propondo um impulso cultural corajoso e coerente, e um projeto cientificamente válido. Elementos necessários como nunca para enfrentar a crise ambiental, na consciência de que não são suficientes regras e estruturas, nem entusiasmo e impulso idealista, mas é necessária uma preparação sólida.
3. Por isso, pensei em inserir os Estudos em Ecologia e Meio Ambiente no sistema de matérias eclesiásticas, entre as «outras ciências, em primeiro lugar as ciências humanas, que estão mais estreitamente ligadas às disciplinas teológicas ou à obra de evangelização» (Constituição Apostólica Veritatis gaudium, Art. 85, b) e, em unidade com o meu Venerado Irmão Bartolomeu i , instituir na Universidade do Bispo de Roma um Ciclo de Estudos em Ecologia e Meio Ambiente. Cuidado da nossa Casa Comum e Tutela da Criação. Um percurso de alta formação no qual as Sedes dos Apóstolos Pedro e André poderão trabalhar em sinergia para continuar, inclusive neste âmbito, a sua missão de anunciar a Boa Nova a todos os povos.
O Ciclo de estudos (cf. Pul, Estatutos, Art. 1 § 4; e Ordenamentos, Art. 3 § 1), que confio à direção do Magnífico Reitor, será estruturado com os recursos formativos disponíveis na Universidade, oportunamente integrados, em concurso com realidades académicas ligadas a vários níveis às duas Igrejas. Articular-se-á nas áreas disciplinares da teologia, filosofia, direito e todas as ciências do âmbito económico, social, ecológico e ambiental, numa modalidade capaz de gerar aquela «unidade do saber na distinção e respeito pelas suas múltiplas, conexas e convergentes expressões» (Constituição Apostólica Veritatis gaudium, Proémio, 4 c). A Universidade conferirá, com a autoridade da Santa Sé, os graus académicos previstos para os três ciclos da formação universitária (cf. Constituição Apostólica Veritatis gaudium, Art. 2 § 1; Título vii ), também sob forma de títulos conjuntos (joint degrees ), diplomas duplos (double degrees ) e diplomas equivalentes (equivalent degrees ). Outros títulos serão definidos em sintonia com o Patriarcado Ecuménico de Constantinopla ou com outras Igrejas cristãs e comunidades de crentes que quiserem unir-se ao novo percurso académico.
Além disso, precisamente para promover um “sistema aberto” de investigação e de formação, o Ciclo de estudos poderá conter uma Cátedra da unesco sobre o futuro da educação para a sustentabilidade, como instrumento inspirado e ligado às finalidades da Organização, destinadas a sensibilizar e favorecer no plano global também a educação das jovens gerações para a responsabilidade ecológica, as garantias ambientais e a desejada sustentabilidade.
4. Senhor Cardeal, confio no compromisso de todos, professores, estudantes e pessoal não docente, que colaborarão para garantir a sólida preparação de sacerdotes, consagrados e leigos, trabalhando sempre com humildade, sobriedade e espírito de sacrifício, qualidades essenciais para construir, inclusive através do estudo e da investigação, aquela amizade social que constitui o fundamento da fraternidade.
Perante os cenários presentes e futuros, os estudos em Ecologia e Meio Ambiente. Cuidado da nossa Casa Comum e Tutela da Criação visam beneficiar as estruturas eclesiais, as formas de vida consagrada, as associações e os movimentos, bem como todos aqueles que desejarem adquirir aquela consciência, conhecimento e competência ecológica, necessários para um compromisso inspirado por um modelo justo e sustentável de ser humano, de vida, de sociedade e de relação com a natureza.
Que Deus misericordioso inunde os nossos passos com a sua luz, para que o serviço e preocupação pelo planeta se inspirem sempre na alegria de nos sentirmos guardiães responsáveis pela obra de Deus Criador.
Roma, São João de Latrão, 7 de outubro de 2021, memória comum dos Santos Megalomártires Sérgio e Baco.
Francisco
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