CARTA APOSTÓLICA
«APROXIMA-SE»
DO SANTO PADRE
JOÃO PAULO II
POR OCASIÃO DO QUARTO CENTENÁRIO
DA UNIÃO DE BREST
Caríssimos Irmãos e Irmãs
1. APROXIMA-SE o dia em que a Igreja greco-católica da Ucrânia celebrará o quarto centenário da união entre os Bispos da Sede Metropolitana da Rus' de Kiev e a Sé Apostólica. A união foi efectuada no encontro dos representantes da Sede Metropolitana de Kiev com o Papa, que teve lugar a 23 de Dezembro de 1595 e foi proclamada solenemente em Brest-Litovsk, nas margens do rio Bug, no dia 16 de Outubro de 1596. O Papa Clemente VIII, com a Constituição Apostólica Magnus Dominus et laudabilis nimis [1], anunciou-o à Igreja inteira e, com a Carta Apostólica Benedictus sit Pastor [2], dirigiu-se aos Bispos da Sede Metropolitana, comunicando-lhes a união ocorrida.
Os Papas seguiram com solicitude e afecto o caminho, muitas vezes dramático e doloroso, desta Igreja. Quereria aqui recordar, de modo particular, a Carta Encíclica Orientales omnes do Papa Pio XII, o qual, em Dezembro de 1945, escreveu palavras inesquecíveis, para recordar o 350º aniversário do restabelecimento da plena comunhão com a Sede de Roma [3].
A União de Brest abriu uma nova página na história daquela Igreja [4]. Hoje, ela quer cantar com alegria o hino de agradecimento e de louvor Àquele que, mais uma vez, a levou da morte à vida, e pôr-se de novo em caminho com impulso renovado na via indicada pelo Concílio Vaticano II. Aos fiéis da Igreja greco-católica ucraniana unem-se, na acção de graças e na súplica, as Igrejas greco-católicas da emigração que têm como ponto de referência a União de Brest, juntamente com as outras Igrejas Orientais católicas e com toda a Igreja. Aos católicos de tradição bizantina daquelas terras, quero unir-me também eu, Bispo de Roma, que durante muitos anos, no tempo do meu ministério pastoral na Polónia, senti a proximidade física, além de espiritual, com aquela Igreja nesse período tão duramente provada e que, depois da minha eleição à Sé de Pedro, senti fortemente o dever, em continuidade com os meus Predecessores, de levantar a voz para defender o seu direito à existência e à livre profissão da fé, quando ambas eram negadas. Agora, com comoção, tenho o privilégio de celebrar juntamente com ela, os dias da liberdade reconquistada.
Em busca da unidade
2. As celebrações da União de Brest devem ser colocadas no contexto do Milénio do Baptismo da Rus'. Há sete anos, em 1988, aquele evento foi celebrado com grande solenidade. Na ocasião, publiquei dois documentos: a Carta Apostólica Euntes in mundum, de 25 de Janeiro de 1988 [5], para a Igreja inteira, e a Mensagem Magnum baptismi donum, de 14 de Fevereiro do mesmo ano [6], enviada aos católicos ucranianos. Tratava-se, com efeito, de celebrar um momento fundamental para a identidade cristã e cultural daqueles povos, com um valor muito particular derivante do facto que as Igrejas de tradição bizantina e a Igreja de Roma ainda viviam em plena comunhão.
A partir do tempo da divisão que feriu a unidade entre o Ocidente e o Oriente bizantino, foram frequentes e intensos os esforços para reconstituir a comunhão plena. Quero recordar dois acontecimentos particularmente significativos: o Concílio de Lião, em 1274, e sobretudo o Concílio de Florença, em 1439, quando foram assinados protocolos de união com as Igrejas Orientais. Infelizmente, várias causas impediram que as potencialidades contidas nesses acordos dessem o fruto esperado.
Os Bispos da Sede Metropolitana de Kiev, ao restabelecerem a comunhão com Roma, referiram-se de modo explícito às decisões do Concílio de Florença, portanto a um Concílio que tinha a participação directa, entre outros, dos representantes do Patriarcado de Constantinopla.
Neste contexto, resplandece a figura do Metropolita Isidoro de Kiev que, fiel intérprete e defensor das decisões daquele Concílio, teve de suportar o exílio por causa das suas convicções.
Nos Bispos que promoveram a união e na sua Igreja permanecia muito viva a consciência do estreito vínculo originário com os seus irmãos ortodoxos, além da consciência plena da identidade oriental do seu Metropolita, que devia ser salvaguardada também depois da união. Na história da Igreja católica é de grande valor o facto que esse justo desejo tenha sido respeitado e que o acto de união não tenha significado a passagem para a tradição latina, tal como alguns pensavam devesse ocorrer: a sua Igreja vê reconhecido o direito de ser governada por uma hierarquia própria, com uma específica disciplina, e de manter os patrimónios litúrgico e espiritual orientais.
Entre perseguição e florescimento
3. Após a união, a Igreja greco-católica ucraniana viveu um período de florescimento das estruturas eclesiásticas, com reflexos benéficos sobre a vida religiosa, sobre a formação do clero e sobre o empenho espiritual dos fiéis. Grande importância foi atribuída, com notável clarividência, à educação. Com a contribuição preciosa da Ordem basiliana e de outras Congregações religiosas, incremento admirável foi dado ao estudo das disciplinas sagradas e da cultura nacional. No século actual, uma figura de extraordinário prestígio foi, neste sentido e no testemunho do sofrimento suportado por amor a Cristo, o Metropolita André Szeptyckyj que, à preparação e ao primor espiritual da pessoa, soube unir excelentes dotes de organizador, fundando escolas e academias, sustentando os estudos teológicos e as ciências humanas, a imprensa, a arte sacra e a conservação das memórias.
Entretanto, tanta vitalidade eclesial foi sempre acompanhada pelo drama da incompreensão e oposição. Disto foi vítima ilustre o Arcebispo de Polock e Vitebsk, Josafat Kuncevyc, cujo martírio foi coroado com a imarcescível coroa da glória eterna. Agora o seu corpo repousa na Basílica Vaticana, onde continuamente recebe a homenagem comovida e grata de toda a catolicidade.
As dificuldades e os transtornos repetiram-se ininterruptamente. Pio XII recordou-os na Carta Encíclica Orientales omnes, na qual, depois de se ter detido sobre as perseguições precedentes, já prenuncia a perseguição dramática do regime ateísta [7].
Entre as testemunhas heróicas não só dos direitos da fé, mas também da consciência humana, que se distinguiram naqueles anos difíceis, sobressai a figura do então Metropolita Josyf Slipyj: a sua coragem ao suportar o exílio e a prisão durante dezoito anos, e a confiança indómita na ressurreição da sua Igreja tornam-no uma das figuras mais vigorosas de confessores da fé do nosso tempo. Nem devem ser esquecidos os seus numerosos companheiros de sofrimento, em particular os Bispos Gregório Chomyszyn e Josafat Kocylowskyj.
Estes tempestuosos eventos devastaram a Igreja na pátria-mãe. Mas já há tempo a Providência divina tinha predisposto que numerosos filhos daquela Igreja pudessem encontrar uma solução para si mesmos e para o seu povo: eles, de facto, a partir do século XIX começaram a difundir-se em grande número para além do oceano, em fluxos migratórios que os levaram sobretudo para o Canadá, os Estados Unidos da América, o Brasil, a Argentina e a Austrália. A Santa Sé quis estar próxima deles, assistindo-os e instituindo para eles estruturas pastorais nos novos locais de residência, até constituir verdadeiras e próprias Eparquias. No momento da prova, durante a perseguição ateia na terra de origem, a voz destes crentes pôde assim erguer-se, em plena liberdade, com força e coragem. O seu clamor reivindicou no fórum internacional o direito à liberdade religiosa para os irmãos perseguidos, reforçando desse modo o apelo que se elevou do Concílio Vaticano II, a favor da liberdade religiosa [8], e a acção efectuada neste sentido pela Santa Sé.
4. Às vítimas de tantos sofrimentos dirige-se a recordação comovida da inteira Comunidade católica: os mártires e os confessores da fé da Igreja na Ucrânia oferecem-nos uma estupenda lição de fidelidade, à custa da vida. E nós, testemunhas privilegiadas do seu sacrifício, estamos conscientes que eles contribuíram para manter na dignidade um mundo que parecia destruído pela barbárie. Eles conheceram a verdade, e a verdade os tornou livres. Os cristãos da Europa e do mundo, inclinados em oração no limiar dos campos de concentração e das prisões, devem ser gratos por essa luz deles: era a luz de Cristo, que eles fizeram resplandecer nas trevas. Estas, aos olhos do mundo, pareceram durante muitos anos vencedoras, mas não puderam extinguir aquela luz, que era luz de Deus e luz do homem ofendido mas não rendido.
Essa herança de sofrimento e de glória encontra-se hoje numa viragem histórica: caídas as cadeias da prisão, a Igreja greco-católica da Ucrânia voltou a respirar o ar da liberdade e a readquirir inteiramente o próprio papel activo na Igreja e na história. Esta tarefa, delicada e providencial, requer hoje uma reflexão particular, para que seja cumprida com sabedoria e clarividência.
Na esteira do Concílio Vaticano II
5. A celebração da União de Brest deve ser vivida e interpretada à luz dos ensinamentos do Concílio Vaticano II. É este, talvez, o aspecto mais importante para a compreensão do alcance dessa comemoração.
Sabe-se que o Concílio Vaticano II se deteve a reflectir sobretudo acerca do mistério da Igreja, de tal sorte que um dos documentos mais importantes por ele elaborados foi a Constituição Lumen gentium. Precisamente em razão desse aprofundamento, o Concílio reveste uma particular relevância ecuménica. É confirmação disto o Decreto Unitatis redintegratio, que elabora um programa muito esclarecido acerca da acção a ser desenvolvida, em vista da unidade dos cristãos. Pareceu-me oportuno retornar a esse programa, a trinta anos de distância da conclusão do Concílio, com a Carta Encíclica Ut unum sint, publicada no dia 25 de Maio do ano corrente [9]. Ela delineia os passos ecuménicos que tiveram lugar depois do Concílio Vaticano II e, ao mesmo tempo, na perspectiva do Terceiro Milénio da era cristã, procura abrir novas possibilidades para o futuro.
Colocando as celebrações do próximo ano no contexto da reflexão sobre a Igreja, promovida pelo Concílio, é sobretudo urgente que eu convide a aprofundar a função própria que a Igreja greco-católica ucraniana é chamada a exercer hoje no movimento ecuménico.
6. Há quem veja na existência das Igrejas Orientais católicas uma dificuldade para o caminho do ecumenismo. O Concílio Vaticano II não deixou de enfrentar esse problema, indicando-lhes as perspectivas de solução, tanto no Decreto Unitatis redintegratio, sobre o ecumenismo, como no Decreto Orientalium ecclesiarum, a elas especialmente dedicado. Ambos os documentos se põem na perspectiva do diálogo ecuménico com as Igrejas Orientais, não em plena comunhão com a Sede de Roma, de modo que seja valorizada a riqueza que as outras Igrejas têm em comum com a Igreja Católica, e esteja fundada sobre essa a busca de uma comunhão cada vez mais plena e profunda. Com efeito, «o ecumenismo busca precisamente fazer crescer a comunhão parcial existente entre os cristãos, até à plena comunhão na verdade e na caridade»[10].
Para promover o diálogo com a Ortodoxia bizantina, foi constituída, depois do Concílio Vaticano II, uma apropriada Comissão mista que incluiu entre os seus membros também representantes das Igrejas Orientais católicas.
Em vários documentos procurou-se aprofundar o esforço para uma maior compreensão entre Igrejas Ortodoxas e Igrejas Orientais católicas, não sem resultados positivos. Na Carta Apostólica Orientale lumen [11] e na Carta Encíclica Ut unum sint [12] já tratei dos elementos de santificação e de verdade [13], comuns ao Oriente e ao Ocidente cristãos, e do método que é desejável seguir na busca da plena comunhão entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas, à luz do aprofundamento eclesiológico realizado pelo Concílio Vaticano II: «Hoje sabemos que a unidade pode ser realizada pelo amor de Deus, somente se as Igrejas o quiserem juntas, no pleno respeito das várias tradições e da necessária autonomia. Sabemos que isto pode realizar-se somente a partir do amor de Igrejas que se sentem chamadas a manifestar sempre cada vez mais a única Igreja de Cristo, nascida de um único Baptismo e de uma única Eucaristia, e que querem ser irmãs» [14]. O aprofundamento no conhecimento da doutrina sobre a Igreja, realizado pelo Concílio e pelo período pós-conciliar, traçou uma via que se pode definir nova para o caminho da unidade: a via do diálogo da verdade, nutrido e sustentado pelo diálogo da caridade (cf. Ef. 4, 15).
7. A saída da clandestinidade significou uma mudança radical na situação da Igreja greco-católica ucraniana: ela encontrou-se diante dos graves problemas da reconstrução das estruturas, das quais tinha sido completamente privada e, de modo mais geral, teve de se empenhar para redescobrir plenamente a si mesma, não só no próprio interior, mas também em relação com as outras Igrejas.
Sejam dadas graças ao Senhor por lhes ter concedido celebrar este jubileu, em condição de reconquistada liberdade religiosa. Sejam-Lhe dadas graças também pelo crescimento do diálogo da caridade, em virtude do qual foram dados passos significativos no caminho rumo à desejada reconciliação com as Igrejas Ortodoxas.
Migrações e deportações múltiplas delinearam de novo a geografia religiosa daquelas terras; tantos anos de ateísmo de Estado marcaram de modo profundo as consciências; o clero ainda não é suficiente para responder às imensas necessidades da reconstrução religiosa e moral; são estes alguns dos desafios mais dramáticos com que todas as Igrejas estão a confrontar-se.
Diante destas dificuldades requer-se um comum testemunho da caridade, para que a pregação do Evangelho não seja dificultada. Como eu disse na Carta Apostólica Orientale lumen, «hoje podemos cooperar para o anúncio do Reino ou tornarmo-nos fautores de novas divisões» [15]. Digne-se o Senhor guiar os nossos passos pelo caminho da paz.
O sangue dos mártires
8. Na liberdade reencontrada não podemos esquecer a perseguição e o martírio que as Igrejas daquela região, católicas e ortodoxas, sofreram na própria carne. Trata-se de uma dimensão importante para a Igreja de todos os tempos, como recordei na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente [16]. Trata-se de uma herança particularmente significativa para as Igrejas da Europa, que permanecem profundamente marcadas por ela: dever-se-á reflectir sobre ela, à luz da Palavra de Deus.
Parte integrante desta nossa memória religiosa é, portanto, o dever de revocar à mente o significado do martírio, para indicar à veneração de todos as figuras concretas dessas testemunhas da fé, na consciência de que também hoje conserva plena validade o que Tertuliano disse: «Sanguis martyrum, semen christianorum» [17]. Nós, cristãos, temos já um martirológio comum, no qual Deus mantém e realiza entre os baptizados a comunhão na exigência suprema da fé, manifestada com o sacrifício da vida. A comunhão real, ainda que imperfeita, já existente entre católicos e ortodoxos na sua vida eclesial, chega à sua perfeição em tudo aquilo que «nós consideramos o ápice da vida de graça, o martyria até à morte, a comunhão mais verdadeira que possa existir com Cristo que derrama o Seu sangue e, neste sacrifício, aproxima aqueles que outrora estavam longe (cf. Ef. 2, 13)» [18].
A recordação dos mártires não pode ser cancelada da memória da Igreja e da humanidade: sejam eles vítimas de ideologias do Oriente ou do Ocidente, todos estão unidos pela violência que, por ódio à fé, foi praticada contra a dignidade da pessoa humana, criada por Deus «à Sua imagem e semelhança».
A Igreja de Cristo é una
9. «Credo unam, sanctam, catholicam et apostolicam Ecclesiam». Esta profissão de fé, contida no Símbolo niceno-constantinopolitano, é comum aos cristãos tanto católicos como ortodoxos: isto põe em evidência que eles não só crêem na unidade da Igreja, mas vivem e querem viver na Igreja una e indivisível, como foi fundada por Jesus Cristo. As diferenças que surgiram e se desenvolveram entre cristianismo do Oriente e do Ocidente, ao longo da história, são em grande parte diversidade de origem cultural e de tradições. Neste sentido, «a legítima diversidade não se opõe de forma alguma à unicidade da Igreja, antes, aumenta o seu decoro e contribui significativamente para o cumprimento da sua missão» [19].
O Papa João XXIII gostava de repetir: «É muito mais forte aquilo que nos une, do que o que nos divide». Estou certo de que este espírito pode ser de grande proveito para todas as Igrejas. Passaram mais de trinta anos desde que o Papa pronunciou estas palavras. Muitos indícios nos levam a pensar que nesse período os cristãos tenham progredido neste caminho. Disto são sinais eloquentes os encontros fraternos entre o Papa Paulo VI e o Patriarca ecuménico Atenágoras I, e os que eu mesmo tive com os Patriarcas ecuménicos Dimítrios e, recentemente, Bartolomeu, e com outros venerados Patriarcas das Igrejas do Oriente. Tudo isto, juntamente com as numerosas iniciativas de encontro e de diálogo que são favorecidas por toda a parte na Igreja, encoraja-nos à esperança: o Espírito Santo, o Espírito de unidade, não cessa de actuar entre os cristãos ainda separados entre si.
Entretanto, a debilidade humana e o pecado continuam a opor resistência ao Espírito de unidade. Por vezes, perdeu-se até a impressão de que existem forças prontas para tudo com o fim de deter, e até mesmo aniquilar, o processo de união entre os cristãos. Contudo, não podemos desistir: devemos encontrar todos os dias a coragem e a força, ao mesmo tempo dom do Espírito e fruto do esforço humano, para continuar pelo caminho empreendido.
10. Ao reflectirmos sobre a União de Brest, perguntamo-nos qual é hoje o significado deste evento. Tratou-se de uma união que se referiu só a uma área geográfica específica, contudo, a sua importância é relevante para o inteiro quadro ecuménico. As Igrejas Orientais católicas podem oferecer uma contribuição muito importante ao ecumenismo. Recorda-o o Decreto conciliar Orientalium ecclesiarum: «Às Igrejas Orientais que vivem em comunhão com a Sé Apostólica de Roma compete a peculiar obrigação de favorecer, segundo os princípios do decreto sobre o Ecumenismo deste sagrado Concílio, a unidade de todos os cristãos, principalmente dos Orientais, sobretudo pela oração e pelo exemplo de vida, pela fidelidade religiosa para com as antigas tradições orientais, pelo melhor conhecimento mútuo, pela colaboração e estima fraterna das instituições e das mentalidades» [20]. Disto deriva o seu empenho em viver com intensidade quanto está aqui delineado. Requer-se delas uma confissão plena de humildade e de gratidão para com o Espírito Santo, o qual guia a Igreja rumo ao fim que lhe foi indicado pelo Redentor do mundo.
Tempo de oração
11. O elemento fundamental que deverá caracterizar a celebração deste jubileu será, por conseguinte, a oração. Ela é, antes de mais, acção de graças por tudo o que se conseguiu, no decorrer dos séculos, no empenho pela unidade da Igreja e, em particular, pelo impulso que o Concílio Vaticano II deu a esse empenho.
Ela é acção de graças ao Senhor que guia o caminho da história, pelo clima de reencontrada liberdade religiosa em que se celebra este jubileu. Ela é também súplica ao Espírito Paráclito, para que faça crescer tudo aquilo que favorece a unidade e dê coragem e fortaleza a quantos se empenham, segundo as orientações do Decreto conciliar Unitatis redintegratio, nesta obra abençoada por Deus. É súplica para obter o amor fraterno, o perdão das ofensas e das injustiças sofridas na história. É súplica para que o poder do Deus vivo possa haurir o bem, até mesmo daquele mal tão cruel e multiforme causado pela malícia dos homens. A oração é também esperança para o futuro do caminho ecuménico: o poder de Deus é maior do que todas as debilidades humanas antigas e novas. Se este jubileu da Igreja greco-católica ucraniana, no limiar do Terceiro Milénio, der algum passo avante rumo à unidade dos cristãos, isto será antes de tudo obra do Espírito Santo.
Tempo de reflexão
12. As celebrações jubilares, além disso, serão um momento de reflexão. A Igreja greco-católica ucraniana interrogar-se-á antes de tudo sobre aquilo que significou para ela a plena comunhão com a Sé Apostólica, e sobre quanto deverá significar no futuro. Ela dará glória a Deus com atitude de humilde gratidão, pela sua heróica fidelidade ao Sucessor de Pedro e, sob a acção do Espírito Santo, compreenderá que essa mesma fidelidade a põe hoje no caminho do empenho pela unidade de todas as Igrejas. Essa fidelidade custou-lhe sofrimentos e martírio no passado: é este um sacrifício oferecido a Deus para implorar a desejada união.
A fidelidade às antigas tradições orientais é um dos meios à disposição das Igrejas Orientais católicas, para promover a unidade dos cristãos [21]. O Decreto conciliar Unitatis redintegratio é muito explícito quando declara: «Conhecer, venerar, conservar e fomentar o riquíssimo património litúrgico e espiritual dos orientais é da máxima importância para guardar fielmente a plenitude da tradição cristã e realizar a reconciliação dos cristãos orientais e ocidentais» [22].
Uma memória confiada a Maria
13. Não cessamos de confiar o anélito de plena unidade dos cristãos à Mãe de Cristo, sempre presente na obra do Senhor e da sua Igreja. O capítulo VIII da Constituição dogmática Lumen gentium indica-a como Aquela que nos precede no nosso caminho de fé sobre a terra, ternamente presente na Igreja que, no final do segundo milénio, se esforça por restabelecer, entre todos os crentes em Cristo, aquela unidade que o Senhor quer para eles. Ela é Mãe da unidade, porque Mãe do único Cristo. Se por obra do Espírito Santo deu à luz o Filho de Deus, que d'Ela recebeu o corpo humano, Maria deseja ardentemente a unidade visível também de todos os crentes, que formam o Corpo místico de Cristo. A veneração a Maria, que une com tanta força o Oriente e o Ocidente, agirá, disto estamos certos, em favor da unidade.
A Virgem Santíssima, já presente em toda a parte no meio de nós, em tantos edifícios sagrados, como na vida de fé de tantas famílias, fala continuamente de unidade, pela qual intercede sem cessar. Se hoje, ao comemorar a União de Brest, recordamos os maravilhosos tesouros de veneração que soube reservar à Mãe de Deus o povo cristão da Ucrânia, não podemos deixar de haurir desta admiração pela história, pela espiritualidade e pela oração daqueles povos, as consequências para a unidade que a esses tesouros estão conexas de modo tão íntimo.
Maria, que inspirou na prova pais e mães, jovens, doentes e anciãos; Maria, coluna de fogo capaz de guiar tantos mártires da fé, está sem dúvida a agir para preparar a desejada união de todos os cristãos; por isso a Igreja greco-católica na Ucrânia tem certamente o seu papel a desempenhar.
A Maria a Igreja exprime o seu agradecimento e pede-lhe que nos torne partícipes da sua solicitude pela unidade: abandonemo-nos a Ela com confiança filial, para nos encontrarmos com Ela onde Deus será tudo em todos.
A vós, Irmãos e Irmãs caríssimos, a minha Bênção Apostólica.
Vaticano, 12 de Novembro, memória de S. Josafat, do ano de 1995, décimo oitavo de Pontificado.
IOANNES PAULUS PP. II
Notas
[1] Cf. Bullarium Romanum V/2 (1594-1602), 87-92.
[2] Cf. A. Welykyj, Documenta Pontificium Romanorum 59.
[3] Cf. AAS 38 (1946), 33-63.
[4] Cf. João Paulo II, Carta ao Cardeal Myroslav I. Lubachivsky, Arcebispo-Mor de Lviv dos Ucranianos (25 de Março de 1995), 3: ed port. de L'Osserv. Romano de 20.5.95, pág. 2.
[5] Cf. AAS 80 (1988), 935-956.
[6] Cf. ibid. 988-997.
[7] Cf. AAS 38 (1946), 54-57. Estes temores encontrariam confirmação angustiante alguns anos depois, como o mesmo Pontífice fazia notar, precisamente na Cart. Enc. Orientales Ecclesias (15 de Dezembro de 1952): AAS 45 (1953), 7-10.
[8] Cf. Declaração sobre a liberdade religiosa Dignitatis humanae.
[9] Cf. ed. port. de L'Osserv. Romano de 3.6.95, pp. 7-18
[10] Ibid. 14, l.c., pág. 8.
[11] Cf. nn. 18-19: ed. port. de L'Osserv. Romano de 6.5.95, pág. 10.
[12] Cf. nn. 12-14: ed. port. de L'Osserv. Romano de 3.6.95, pág. 8.
[13] Cf. Decreto Unitatis redintegratio, 3.
[14] Cf. Carta Apost. Orientale lumen, 20: ed. port. de L'Osserv. Romano de 6.5.95, pág. 11.
[15] Ibid. n. 19: ed. port. de L'Osserv. Romano de 6.5.95, pág. 10.
[16] Cf. AAS 87 (1995); Ut unum sint, 84: ed port. de L'Osserv. Romano de 3.6.95, pág. 15.
[17] Apol., 50, 13: CCL I, 171.
[18] Ut unum sint, 84: ed port. de L'Osserv. Romano de 3.6.95, pág. 15.
[19] Ibid., l.c., pág. 12.
[20] Orientalium ecclesiarum, 24.
[21] Cf. ibid.
[22] Unitatis redintegratio. 15.
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