VIAGEM APOSTÓLICA À ESPANHA
31 DE OUTUBRO - 9 DE NOVEMBRO DE 1982
CELEBRAÇÃO DA PALAVRA COM OS JOVENS
HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II
Estádio Santiago Barnabéu de Madrid
3 de Novembro de 1982
Queridos jovens
1. Este é um dos encontros que mais esperava na minha visita à Espanha. E que me permite ter contacto directo com a juventude espanhola, na moldura do estádio Santiago Bernabéu, testemunha de tantos acontecimentos desportivos.
Em todas as minhas visitas pastorais, nas diversas partes do mundo, quis sempre reunir-me com os jovens. Faço-o pela grande estima que nutro para convosco e porque sois a esperança da Igreja, não menos do que da sociedade. Elas, de facto, dentro de não muitos anos repousarão em grande parte sobre vós. Sobre vós e sobre tantos milhares de companheiros vossos que estão unidos a vós neste momento. Em todos os lugares da Espanha de onde viestes.
Sei que muitos deles — a notícia chegou-me a Roma antes da minha partida — queriam estar também aqui esta tarde. E que, perante a dificuldade de encontrar lugar para todos, vos mandaram como seus representantes.
Sei também que muitos deles vos encarregaram expressamente de trazer a sua saudação ao Papa e lhe dizer que estão connosco na oração, diante da rádio e da televisão, porque têm sede de verdade, de ideais grandes, de Cristo.
Queridos jovens: isto emocionou-me; digo-vo-lo como uma confidência que se faz ao amigo. Vós jovens sois capazes de conquistar o coração com tantos dos vossos gestos, com a vossa generosidade e espontaneidade.
Era a vossa primeira resposta, antes de nos vermos, a uma interrogação minha.
De facto, perguntei-me algumas vezes: os jovens espanhóis serão capazes de olhar com coragem e constância para o bem; oferecerão um exemplo de maturidade no uso da sua liberdade, ou curvar-se-ão desiludidos? A juventude de um país rico de fé, de inteligência, de heroísmo, de arte, de valores humanos, de grandes empresas humanas e religiosas, quererá viver o presente aberta à esperança cristã e com responsável visão do futuro?
A resposta deram-ma as notícias que me chegavam de vós. Deram-ma sobretudo o que vi em tantos de vós nestes dias, e a vossa presença e atitude esta tarde.
Quero dizer-vo-lo: Não me desiludistes, continuo a crer nos jovens, em vós. E creio, não para vos elogiar, mas porque conto convosco para difundir um sistema novo de vida. O que nasce de Jesus, filho de Deus e de Maria, cuja mensagem vos trago.
2. Há alguns momentos éramos convidados a reflectir sobre o texto das bem-aventuranças. Na base delas encontra-se uma pergunta que vós vos pondes com inquietação: porque existe o mal no mundo?
As palavras de Cristo falam de perseguição, de pranto, de falta de paz, e falara de injustiça, de mentira e de insultos. E indirectamente falam do sofrimento do homem na sua vida temporal.
Mas não se detêm aqui. Indicam também um programa para superar o mal com o bem. Efectivamente, os que choram serão consolados; os que sentem a ausência da justiça e dela têm fome e sede serão saciados; os artífices de paz serão chamados filhos de Deus; os misericordiosos alcançarão misericórdia; os perseguidos por causa da justiça ganharão o reino dos céus.
Esta é apenas uma promessa de futuro? As certezas admiráveis que Jesus dá aos seus discípulos referem-se apenas à vida eterna, a um reino dos céus situado para além da morte?
Sabemos bem, queridos jovens, que esse "reino dos céus" é o "reino de Deus", e que "está próximo" (Mt 3, 2). Porque foi inaugurado com a morte e ressurreição de Cristo. Sim, está próximo, porque em boa parte depende de nós, cristãos e "discípulos" de Jesus.
Somos nós, baptizados e confirmados em Cristo, os chamados a aproximar esse reino, a torná-lo visível e actual neste mundo, como preparação para a sua instauração definitiva.
E isto consegue-se com o nosso empenho pessoal, com o nosso esforço e conduta concorde com os preceitos do Senhor, com a nossa fidelidade à sua pessoa, com a nossa imitação do seu exemplo, com a nossa dignidade moral.
Assim, o cristão vence o mal; e vós, jovens espanhóis, venceis o mal com o bem cada vez que, por amor e a exemplo de Cristo, vos libertais da escravidão daqueles que aspiram a ter mais e não a ser mais.
Quando sabeis ser dignamente simples num mundo que paga qualquer preço pelo poder; quando sois puros de coração no meio de quem julga só em termos de sexo, de aparência ou hipocrisia; quando construís a paz, num mundo de violência e de guerra, quando lutais pela justiça perante a exploração do homem pelo homem ou de uma nação pela outra; quando com a misericórdia generosa não procurais a vingança, mas chegais a amar o inimigo; quando no meio do sofrimento e das dificuldades, não perdeis a esperança e a constância no bem, apoiados no conforto e no exemplo de Cristo e no amor ao homem irmão. Então converteis-vos em transformadores eficazes e radicais do mundo e em construtores da nova civilização do amor, da verdade, da justiça, que é trazida por Cristo como mensagem.
3. Desta forma, o homem — e sobretudo o jovem — que se aproxima da leitura da palavra de Cristo com a pergunta "porque existe o mal no mundo", quando aceita a verdade das bem-aventuranças, acaba pondo-se outra pergunta: que fazer para vencer o mal com o bem? Mais ainda: acaba com uma resposta a essa pergunta, que é fundamental na existência humana. E bem podemos dizer que quem encontra esta resposta e sabe orientar coerentemente o próprio comportamento, conseguiu fazer penetrar o Evangelho na sua vida. Então é verdadeiramente cristão.
Com os critérios sólidos que obtém da sua convicção cristã, o jovem sabe reagir devidamente perante um mundo de aparências, de injustiça e materialismo que o rodeia.
Perante a manipulação de que pode sentir-se objecto mediante a droga, o sexo exasperado e a violência, o jovem cristão não procurará métodos de acção que o levem à espiral do terrorismo; isto arrastá-lo-ia para um mal igual ou maior do que o mal que ele critica e afasta. Não cairá na insegurança nem na desmoralização, nem se refugiará em vazios paraísos de evasão ou de indiferentismo. Nem a droga, nem o álcool, nem o sexo, nem uma resignada passividade acritica — o que vós chamais "pasotismo" — são uma resposta perante o mal. A vossa resposta há-de vir de uma posição verdadeiramente critica; da luta contra uma massificação no pensar e no viver que às vezes se procura impor-vos; que se oferece em tantas leituras e meios de comunicação social.
Jovens! Amigos! Deveis ser vós mesmos, sem vos deixardes manipular; tendo critérios sólidos de conduta. Numa palavra: com modelos de vida em que se possa confiar, em que possais reflectir toda a vossa generosa capacidade criativa, toda a vossa sede de sinceridade e melhoramento social, sede de valores permanentes dignos de escolhas sábias. É o programa de luta, para vencer o mal com o bem. O programa das bem-aventuranças que vos propõe Cristo.
4. Unamos agora a reflexão sobre as bem-aventuranças com as palavras de São João há pouco escutadas.
O Apóstolo indica que quem ama a seu irmão está na luz, e aquele que o odeia está nas trevas; escreve às duas gerações: aos pais, que conheceram Aquele que é desde o princípio; e aos filhos, a vós, jovens, "porque sois fortes, porque a palavra de Deus permanece em vós, e porque vencestes o maligno" (1 Jo 2, 13 s.).
Que sentido têm estas palavras? São João fala duas vezes de vitória sobre o maligno; quer dizer, da vitória sobre o instigador do mal no mundo. O tema é idêntico ao encontrado nas bem-aventuranças.
Pois bem, sabemos que é Jesus quem nos dá essa "vitória que vence o mundo" e o mal que há nele (cf. 1 Jo 5, 4 s.), que o caracteriza, porque "o mundo inteiro está sob o jugo do maligno" (ibid. v. 19).
Mas notemos bem as duas condições ou dimensões essenciais que o Evangelho põe para essa vitória: a primeira é o amor; a segunda, o conhecimento de Deus como Pai.
O amor a Deus e ao próximo é o distintivo do cristão; é o mandamento "antigo" e "novo" que caracteriza a revelação de Deus no Antigo e no Novo Testamento (cf. Dt 6, 5; Lev 19, 8; Jo 13, 34 s.). É a "força" que revigoriza a nossa capacidade humana de amar, elevando-a, por amor a Deus, ao amor pelo "irmão" (1 Jo 2, 9-11). O amor tem uma enorme capacidade transformadora: transforma em luz as trevas do ódio.
Imaginai por um momento este magnífico estádio sem luz. Não nos veríamos nem ouviríamos. Que triste espectáculo seria! Que diferença, pelo contrário, estando bem iluminado! Com razão pode dizer-nos São João que "aquele que ama a seu irmão está na luz", ao passo que aquele que o odeia "está nas trevas". Com esta transformação interior é vencido o mal, o egoísmo, as invejas, a hipocrisia, e faz-se prevalecer o bem.
Fá-lo prevalecer o nosso conhecimento de Deus como Pai (cf. Jo 2, 14). E portanto, a visão do homem como objecto do amor divino, como imagem de Deus, como destino eterno, como ser remido por Cristo, como Filho do mesmo Pai do céu.
Por isso, não como antagonista, nem como adversário, mas como "irmão". Quantas forças do mal, de desunião, de morte e falta de solidariedade se venceriam, se essa visão do homem, não lobo para o homem, mas irmão, se instaurasse eficazmente nas relações entre pessoas, grupos sociais, raças, religiões e nações.
5. Para isso é preciso que, perante a pergunta existencial do "porque o mal no mundo" descubramos em nós o amor como desejo do bem; mais ainda: como exigência do bem; como exigência "antiga" e "nova", actual, orientada para os coeficientes únicos e irrepetíveis da nossa vida, do nosso momento histórico, dos nossos companheiros de caminho para o Pai. Assim entraremos no âmbito daqueles que dão uma resposta evangélica ao problema do mal e à sua superação com o bem. Assim contribuiremos, a partir da fidelidade à nossa relação com Deus-Pai e ao "mandamento novo" de Cristo, que "é verdadeiro n"Ele e em nós" (cf. 1 Jo 2, 8), para que as trevas passem e resplandeça a luz (ibid.).
Este é o caminho para a construção do reino de Cristo; onde têm lugar preeminente os pobres, os doentes, os perseguidos, porque o homem é visto na sua capacidade e tendência para a plenitude de Deus.
Um reino onde impere a verdade, a dignidade do homem, a responsabilidade, a certeza de ser imagem de Deus. Um reino em que se realize o desígnio divino sobre o homem, baseado no amor, na liberdade autêntica, no serviço mútuo, na reconciliação dos homens com Deus e entre eles. Um reino a que todos sois chamados, para o construir não só isoladamente, mas também associados em grupos ou movimentos que tornem presente o Evangelho e sejam luz e fermento para os outros.
6. Meus queridos jovens: a luta contra o mal instaura-se no próprio coração e na vida social. Cristo, Jesus de Nazaré, ensina-nos como superá-lo com o bem. Ensina-no-lo e convida-nos a fazê-lo com tom de amigo; de amigo que não defrauda, que oferece uma experiência de amizade de que tanto necessita a juventude de hoje, tão ansiosa de amizades sinceras e fiéis. Fazei a experiência desta amizade com Jesus. Vivei-a na oração com Ele, na sua doutrina, no ensinamento da Igreja que vo-la propõe.
Maria Santíssima, sua Mãe e nossa, vos introduza nesse caminho. E encoraje-vos o exemplo de Santa Teresa, essa extraordinária mulher e santa; de São Francisco Xavier, o homem de grande coração para o bem, e de tantos outros vossos compatriotas que gastaram a própria vida a praticar o bem, à custa de tudo, mesmo de si mesmos.
Jovens espanhóis: O mal é uma realidade. Superá-lo com o bem é uma grande empresa. Brotará de novo com a fraqueza do homem. Mas não há motivo para sustos. A graça de Cristo e os seus sacramentos estão à nossa disposição. Enquanto caminhamos pelo caminho transformador das bem-aventuranças, estamos vencendo o mal; estamos convertendo as trevas em luz.
Seja este o vosso caminho; com Cristo, nossa esperança, nossa Páscoa. E acompanhados sempre pela Mãe comum, a Virgem Maria. Assim seja.
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