MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II
AO DIRECTOR-GERAL DA FAO POR OCASIÃO
DO DIA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO
Ao Senhor JACQUES DIOUF
Director-Geral da Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
1. A celebração, hoje, do Dia Mundial da Alimentação, é uma boa ocasião para renovar o meu apreço pela actividade que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura realiza, cujo esforço para combater a pobreza no mundo rural é bem conhecido, principalmente favorecendo o desenvolvimento de quantos, nesse ambiente, realizam o seu trabalho quotidiano e, com frequência, difícil.
O tema deste Dia: "A biodiversidade ao serviço da segurança alimentar", indica um meio concreto para a luta contra a fome e a subalimentação de tantos irmãos nossos. De facto, para alcançar o objectivo de uma segurança alimentar adequada é necessária uma administração correcta da variedade biológica para poder garantir as várias espécies animais e vegetais. Trata-se de um esforço que exige uma consideração de carácter ético e não só técnico e científico, mesmo que também eles sejam indispensáveis, de maneira a poder garantir a persistência de tais recursos e o seu uso de acordo com as exigências concretas da população mundial.
2. Mas infelizmente são muitos os obstáculos que se opõem à acção internacional orientada para tutelar a biodiversidade. Não obstante a existência de regras cada vez mais adequadas, parece que outros interesses impedem o justo equilíbrio entre a soberania dos Estados sobre os recursos presentes no seu território e a capacidade das pessoas e das comunidades para preservar ou gerir esses recursos em função das necessidades reais. Portanto, é necessário que entre as bases da cooperação internacional se reafirme o princípio de que a soberania sobre os recursos genéticos presentes nos diversos ecossistemas não pode ser exclusiva nem se converter em causa de conflitos, mas deve ser exercida segundo as regras naturais da humanidade que regem a convivência entre os diversos povos que formam a família humana.
Estas são as bases ideais que orientam a acção da FAO e permitiram, entre outras coisas, promover as normas do Tratado sobre os recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura, instrumento válido para obter os efeitos tão esperados. Isto tutela também os direitos dos agricultores, garantindo a sua participação nos processos de decisão e estimulando-os a preocupar-se não só pela quantidade dos alimentos, mas também pela sua qualidade.
Neste contexto, é necessário ter em consideração, de modo particular, as comunidades e os povos indígenas, cujo amplo património de cultura e de conhecimentos relacionados com a biodiversidade corre o risco de desaparecer devido à ausência de uma tutela adequada. Com efeito, percebe-se o perigo real de uma exploração abusiva das suas terras e a destruição do seu habitat tradicional, bem como a não-protecção da sua propriedade intelectual, cuja importância se reconhece para a salvaguarda da biodiversidade.
3. Em muitos âmbitos é realçada a urgência de rever o esquema seguido até agora para tutelar os enormes e insubstituíveis recursos do planeta, procurando um desenvolvimento sustentável, mas também e principalmente solidário. A solidariedade, entendida correctamente como modelo de unidade capaz de inspirar a acção dos indivíduos, dos governos, dos organismos e instituições internacionais e de todos os membros da sociedade civil, trabalha para um justo crescimento dos povos e das nações, e tem como objectivo o bem de todos e de cada um (cf. Enc. Sollicitudo rei socialis, 40). Portanto, esta solidariedade, ao superar também atitudes egoístas em relação com a ordem da criação e com os seus frutos, tutela os diferentes ecossistemas e os seus recursos, as pessoas que vivem neles e os seus direitos fundamentais a níveis individual e comunitário. Bem fundada sobre esta referência à pessoa humana, à sua natureza e às suas exigências, a solidariedade é capaz de consolidar projectos, normas, estratégias e acções plenamente sustentáveis.
Um desenvolvimento solidário pode oferecer também respostas aos objectivos da sustentabilidade, tendo em conta não só uma simples defesa do ambiente ou uma referência abstracta às necessidades das gerações futuras, mas também as exigências da justiça, da igual distribuição dos recursos e da obrigação de cooperar. São exigências essencialmente humanas às quais a Igreja católica está sempre atenta a fim de as apoiar e favorecer a sua realização de maneira correcta e completa.
O mandamento dado pelo Criador à humanidade para que domine a terra e use os seus frutos (cf. Gn 1, 28), considerado à luz da virtude da solidariedade, exige o respeito do projecto da própria criação, mediante uma acção humana que não pressuponha desafios à ordem da natureza e às suas leis para alcançar horizontes sempre novos, mas, ao contrário, preserve os recursos garantindo a sua continuidade e também o seu uso da parte das gerações vindouras.
4. Estas são algumas das reflexões que desejo oferecer a quantos, em todas as partes do mundo, celebram o Dia da Alimentação e aos que, com diferentes cargos e responsabilidades, trabalham a fim de contribuir para libertar a humanidade do flagelo da fome e da sublimentação. Fazemos votos por que a celebração de hoje ajude a favorecer, a nível global e local, o progresso de uma renovada "partilha" dos frutos da terra.
Sobre Vossa Excelência, Senhor Director-Geral, e sobre todos os que, com empenho e abnegação colaboram para realizar as finalidades da FAO, invoco as abundantes Bênçãos do Altíssimo.
Vaticano, 15 de Outubro de 2004.
IOANNES PAULUS II
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