DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
NO ENCONTRO COM TRABALHADORES
E PROPRIETÁRIOS EM BACOLOD CITY
Iloilo, Ilha de Panay, Filipinas
Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 1981
Dilectos irmãos e irmãs
1. "A graça e a paz de Deus nosso Pai e de Jesus Cristo Senhor" (Flp 1, 2). Com esta bênção do apóstolo Paulo saúdo-vos a todos muito cordialmente. É grande alegria para mim vir ter convosco hoje, nesta cidade de Bacolod, para me encontrar com o povo das ilhas "Negros Occidental". Só me desagrada a brevidade desta visita ao meio de vós, mas ainda muitas são as comunidades das Filipinas que me convidaram, do Norte ao Sul destas belas ilhas. Mesmo que não tenha senão poucas horas para estar convosco, desejo que saibais que todo o encontro com o povo filipino é para mim de especial importância, porque sois vós, jovens e anciãos, que lhe imprimis esse carácter. E por isso, do profundo do meu coração vos digo: obrigado por terdes vindo todos, aqui, esta tarde; obrigado por me fazerdes sentir em casa própria em Bacolod. Madamo guid nga Salomat! Um obrigado muito ardente!
Venho em nome do Senhor Jesus e como Seu servo. Venho como Bispo de Roma, Vigário de Cristo e vossa irmão na fé. Venho como amigo de todo o povo, especialmente dos jovens que são tão numerosos aqui e cujas faces risonhas me trazem tão profunda alegria. As minhas fraternais saudações dirigem-se em primeiro lugar para o vosso pastor António Yapsutco Fortich, que gentilmente me convidou para esta ilha, e aos outros bispos e sacerdotes presentes. Nos sacerdotes, diocesanos e religiosos, e nas irmãs, saúdo eu os sucessores dos primeiros missionários que, há mais de quatrocentos anos, estabeleceram florescentes comunidades cristãs nestas terras. Neles saúda os incansáveis trabalhadores pela causa da fé, que mantêm viva entre o povo a mensagem do Evangelho com o seu desinteressado serviço e generosa dedicação, colaborando com o Bispo, em espírito de unidade e na "obediência à fé" (Rom 1, 5).
2. Em particular, porém, as minhas saudações sinceras vão para vós, meus irmãos e irmãs do laicado católico em Bacolod, para vós que sois tão grande parte do único Povo de Deus, renascidos em Cristo e unidos pelo Seu Espírito Santo. Como acreditais em Cristo e fostes regenerados no sacramento do Baptismo, sois filhos de Deus. Como acreditais em Cristo, podeis aproximar-vos d'Ele no sacramento da Penitência e receber o Seu amor na Sagrada Eucaristia. Tenho conhecimento da consideração em que tendes os Sacramentos e quero animar-vos a que vos mantenhais sempre fiéis a eles. São a vossa fonte de vida e de esperança, e dar-vos-ão a força de permanecer fiéis ao vosso chamamento de cristãos, de verdadeiros cristãos. E, observados pelos outros, dever-se-ia dizer de vós: "Olha quanto se amam". Amai-vos uns aos outros, meus irmãos e irmãs, amai-vos em Jesus Cristo. Fazendo isto, sereis verdadeiras testemunhas de Jesus, do seu imenso amor por cada ser humano. Jesus precisa de vós, dilecto povo da Igreja em Bacolod. Jesus precisa de vós, o Seu amor na verdade não atingirá o mundo sem o testemunho da vossa vida cristã. Jesus não pode estar plenamente presente nas vossas cidades e aldeias, nas vossas famílias e escolas, nos vossos locais de trabalho e nos campos, se vós, fiéis, não O levardes lá, não O tornardes manifesto através daquilo que dizeis ou fazeis, tornando-O visível através do amor que tendes uns pelos outros.
3. A mensagem que hoje vos trago é mensagem de amor, a mesma mensagem que a Igreja levou aos homens de todo o mundo nas épocas passadas, e não deixará nunca de levar às gerações futuras. É a mesma mensagem que vós, Igreja de Bacolod, deveis proclamar a todos os homens desta ilha.
É no nome de Cristo, pois deve anunciar a Sua mensagem de amor ao mundo inteiro, que a Igreja fala em favor da dignidade do homem, criado à imagem de Deus (cf. Gén 1, 26) e remido por Jesus Cristo. Como a Igreja crê na dignidade concedida por Deus a todo o ser humano, reconhece como sua missão abraçar, com a própria solicitude, o homem na sua totalidade: o homem, cujo destino definitivo é Deus, o homem que deve viver na sua completa realidade quotidiana, segundo a dignidade que lhe é própria. Por estas razões deseja a Igreja levar a mensagem de salvação, que lhe confiou Cristo, a todo o ser humano, a toda a cultura e todo o ambiente social, ao género humano inteiro, mas, em primeiro lugar, àqueles que se encontram em dificuldades. Sem abandonar a sua tarefa especifica de evangelização, procurará também assegurar que todos os aspectos da vida humana e da sociedade, de que o homem faz parte, sejam impregnados pelo respeito para com a dignidade humana e, portanto, para com a justiça.
4. No mundo de hoje existem demasiadas situações de injustiça. A injustiça reina quando algumas nações acumulam riquezas e vivem na abundância, enquanto outras não podem oferecer à maioria da sua gente os recursos de primeira necessidade. A injustiça reina quando, no interior da mesma sociedade, alguns grupos possuem a maior parte dos bens e poderes, enquanto largos estratos da população não podem prover decentemente com os meios de existência as suas famílias, nem sequer com longas horas de extenuante trabalho nas fábricas ou nos campos. A injustiça reina quando as leis de crescimento económico e de ganho, cada vez maior, determinam as relações sociais, deixando na pobreza e miséria aqueles que não têm outra coisa para oferecer senão o trabalho das próprias mãos. Conscientes desta situação, não hesitará a Igreja em tomar a seu cargo a causa do pobre e tornar-se a voz daqueles que não são escutados quando falam para pedir justiça, não para pedir esmola.
Sim, a preferência pelo pobre é preferência cristã! É preferência que exprime a solicitude de Cristo que veio proclamar uma mensagem de salvação para os pobres; e os pobres, de facto, são verdadeiramente amados por Deus; Deus é quem dá garantia aos direitos deles. A Igreja proclama a sua preferência pelos pobres no interior da totalidade da sua missão evangelizadora, que se dirige a todas as gentes. Nenhuma área da sua missão pastoral será omitida na sua solicitude pelos pobres: pregar-lhes-á o Evangelho, convidá-los-á para a vida sacramental da Igreja e para a oração, falar-lhes-á do sacrifício e da ressurreição, e inclui-los-á no seu apostolado social.
5. Disseram-me que muitos de vós aqui presentes fazem parte do sector agrícola, e mais em particular do cultivo da cana-de-açúcar, como proprietários, plantadores ou trabalhadores. Todos vós viveis perto da terra e esta subministra-vos os meios de subsistência. A vós todos quero dirigir algumas palavras especiais em referência às vossas situações particulares e à mensagem social da Igreja.
Vós amais a terra, procurais com amor torná-la fértil. Pertenceis a esta terra e esta terra pertence-vos. No seu amor gratuito, Deus não só criou o homem e a mulher, mas deu-lhes a terra para que a vida humana pudesse ser sustentada pelos seus esforços. Desde o princípio, e em benefício de todos, Deus quis a interacção da terra e do trabalho, para que a plena dignidade do homem pudesse ser sempre protegida e promovida,
6. Sim, a dignidade humana deve ser promovida pela terra. Como a terra é um dom de Deus em benefício de todos, não é admissível o uso deste dom de tal modo que os benefícios por ela produzidos sirvam apenas para um número limitado de pessoas, enquanto as outras — a quase totalidade — estão excluídas dos benefícios que a terra produz.
Apresenta-se uma exigência verdadeiramente cristã, por isso, àqueles que possuem ou administram a terra. Sei que muitos de vós, possuidores de plantações ou plantadores estão verdadeiramente interessados no bem-estar dos próprios trabalhadores; a Igreja, porém, consciente da sua responsabilidade, sente-se estimulada a apresentar-vos muitas vezes os ideais de amor e de justiça e a animar-vos a confrontar constantemente as vossas acções e as vossas atitudes com os princípios éticos relativos à prioridade do bem comum e ao fim social da actividade económica. O direito a possuir é legítimo em si mesmo, mas não pode separar-se da sua dimensão social mais vasta. Na sua Encíclica Populorum Progressio, Paulo VI, fazendo-se eco do ensinamento do Concílio Vaticano II, especificou este princípio de modo verdadeiramente claro quando escreveu: "Deus destinou a terra e tudo o que ela contém para o uso de todos os homens e de todos os povos, de maneira que os bens da criação devem igualmente afluir às mãos de todos, segundo a regra da justiça que é inseparável da caridade" (Gaudium et Spes, 69). Todos os outros direitos, de qualquer género, compreendendo o da propriedade e do comércio livre, são subordinados a ela: não devem portanto embaraçar-lhe, mas sim, pelo contrário, facilitar-lhe a realização, e é dever social grave e urgente restituí-los à sua finalidade original (n. 22). Os proprietários e os plantadores não deveriam, por isso, deixar-se guiar principalmente pelas leis económicas de crescimento e de proveito, nem pelas exigências de competição ou de acumulação egoísta dos bens; deveriam, pelo contrário, deixar-se guiar pelas exigências da justiça e do imperativo moral que leva a contribuir para a realização de um decente nível de vida e de condições de trabalho, que tornem possível aos trabalhadores e à sociedade rural viver vida verdadeiramente humana e ver respeitados todos os seus direitos fundamentais.
7. Do mesmo modo os trabalhadores — sejam eles duma-ans, sacadas ou operários das indústrias — devem deixar-se guiar por um conceito verdadeiramente humano e cristão do próprio dever. O trabalho humano permanece sendo o elemento mais importante na empresa económica, porque é através deste que o homem exerce o seu domínio sobre o mundo material para a construção e a edificação da sua própria dignidade humana (cf. Gaudium et Spes, 67). O homem ou a mulher, que trabalha, torna-se cooperador de Deus. Criado à imagem de Deus, o homem recebeu a missão de governar o universo, para as riquezas dele poderem ser desenvolvidas e usadas em benefício de todos, de modo que ofereçam a cada pessoa humana a possibilidade de viver segundo a sua própria dignidade e, portanto, dar glória a Deus. A todos os trabalhadores da cana-de-açúcar digo, como igualmente digo a qualquer outro trabalhador, encontre-se ele onde se encontrar: não vos esqueçais nunca da grande dignidade que Deus vos deu, não vos deixeis nunca degradar pelo vosso trabalho; recordai-vos, pelo contrário, sempre da missão que Deus vos confiou: ser, por meio do trabalho das vossas mãos, os Seus colaboradores na continuação da obra da criação. Vede no vosso trabalho obra de amor, ele de facto exprime amor pelos que vos são caros e o vosso interesse pelo bem-estar da vossa família. Tende orgulho de trabalhar a terra.
Ao mesmo tempo, ficai sabendo que a Igreja vos apoia nos vossos esforços para verdes respeitados os vossos direitos de trabalhadores. Há noventa anos, a grande encíclica social Rerum Novarum dizia muito claramente que o trabalhador tem direito a um salário que lhe dê uma justa parte da riqueza que ele ajuda a produzir, e que as condições de trabalho não deveriam ter em vista incrementar cada vez mais o ganho económico da empresa, mas devem tender a salvaguardar a inviolável dignidade do homem como indivíduo, como sustentáculo da família e como construtor da sociedade a que pertence. Foi constante ensinamento da Igreja terem os trabalhadores o direito de se unirem em associações livres com o objectivo de defender os seus interesses e contribuir como colaboradores responsáveis para o bem comum. Essas associações deveriam ser protegidas por leis apropriadas que, mais que limitarem as suas actividades, deveriam garantir a livre busca, para o bem-estar social, de todos os seus membros e dos trabalhadores em geral.
Onde quer que as pessoas trabalhem juntas, inspiradas pela finalidade de assegurar a dignidade de todo o ser humano e de construir uma sociedade baseada na justiça, será sempre viva a esperança de um mundo melhor, e será possível encontrar os caminhos e os meios que dêem a possibilidade de repartir os frutos do progresso com todos, na comunidade. Quando os direitos legítimos de toda a categoria forem respeitados, será possível encontrar caminhos pacíficos para a realização do bem comum e ninguém hesitará em pôr ao serviço dos seus irmãos, numa comum busca de uma justa sociedade, a plena riqueza dos próprios talentos, habilidade e influência. Os organismos governativos, que são guiados por uma justa atenção pela dignidade humana, não se tornarão instrumentos de opressão ou poder, para uma classe ou categoria.
As livres associações dos trabalhadores, que baseiam a própria acção na inigualável dignidade do homem, inspiram confiança como interlocutores de igual grau numa busca de justas soluções. Os trabalhadores e os dadores de trabalho, que aprendem a reconhecer-se uns aos outros como irmãos, não ficarão presos por amargas disputas que deixam os problemas por resolver e enfraquecida ou arruinada a solidariedade humana. Quando é o homem mesmo — o homem com a sua insuperada dignidade — a medida que é aplicada aos problemas sociais, então não haverá espaço para a violência na luta pela justiça. Adoptar o homem como critério de toda a actividade social, significa empenhar-se pela transformação de toda a situação injusta, sem destruir o que se procura defender: uma sociedade baseada na fraternidade e no amor. A violência nunca pode ser meio para resolver os conflitos sociais; e a luta de classes, que opõe um grupo ao outro, não pode ser fonte de justiça tendo como suas premissas a destruição e o desprezo do homem. Para construir uma sociedade verdadeiramente humana, nas Filipinas, cada homem e cada mulher devem fazer uma opção pela justiça e pelo amor; pela solidariedade e a fraternidade, contra o egoísmo e o ódio. Escolhei a dignidade humana e será vosso um futuro melhor!
9. Meus caros amigos de Bacolod, das ilhas "Negros Occidental", e vós todos que viestes de longe para estar comigo hoje, sei que não vos falta generosidade e coragem. Nas vossas comunidades, nas cidades e nas aldeias, mantende viva a maravilhosa herança de valores e de qualidades que é a vossa força para o futuro. Permanecei fiéis ao que sois: conservai sempre a vossa alegria, o vosso amor pela família, a vossa solidariedade dentro de cada comunidade, e sobretudo a vossa firme vontade de repartir tudo o que sois e tudo o que tendes — mesmo que pequeno ou humilde — com os vossos irmãos e as vossas irmãs que se encontram em necessidade. Fazendo isto, a vossa comunidade distinguir-se-á pelo sinal da humanidade.
A todos os meus irmãos e irmãs em Cristo digo eu: mantende vivas nos vossos corações a confiança em Deus, a fidelidade à Igreja e a devoção à Bem-aventurada Virgem Maria.
Chegou o momento de vos deixar: Tanto desejaria estar convosco mais tempo, mas outros estão esperando unir-se comigo no vínculo do amor que nos une em Jesus Cristo. Obrigado pela vossa presença aqui e por terdes compartilhado juntos esta hora. Sinto-me mais rico por vos ter encontrado e por ter verificado o vosso orgulho de Filipinos e de Cristãos.
Ao voltardes para as vossas aldeias e para as vossas famílias, levai convosco a bênção do Papa. E dizei a todos os que estavam na impossibilidade de estar presentes aqui hoje, aos anciãos e aos doentes, que o Papa os ama e os traz sempre no coração e nas orações. Abençoo-vos a todos em nome de Jesus Cristo, nosso misericordioso Salvador.
Deus vos abençoe, enquanto vos apartardes levando o amor e a solicitude que vos dedico,
Kabay pa nga bendisyonan limo sang Diyos!
Copyright © Dicastero per la Comunicazione - Libreria Editrice Vaticana