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VIAGEM APOSTÓLICA À COSTA RICA, NICARÁGUA, PANAMÁ,
 EL SALVADOR, GUATEMALA, HONDURAS, BELIZE E HAITI
[2 - 10 DE MARÇO DE 1983]

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
NO ENCONTRO COM O CLERO, OS RELIGIOSOS
E OS SEMINARISTAS DE EL SALVADOR

Liceu dos Irmãos Maristas
Domingo, 6 de Março de 2013

 

Queridos irmãos e irmãs

1. Neste encontro dedicado aos sacerdotes de El Salvador e de toda a área da América Central, e que se realiza no âmbito deste Centro educativo Beato Marcelino Champagnat, estão também presentes os religiosos, as religiosas e os seminaristas salvadorenhos que desejaram vir ver o Papa.

Embora já me tenha dirigido — ou o faça nos próximos dias — aos sectores da vida consagrada, noutras nações vizinhas, saúdo-vos a todos muito cordialmente e expresso-vos a minha profunda estima e agradecimento pela vossa importantíssima tarefa eclesial. Peço ao Senhor vos dê forças, ânimo e esperança para continuardes generosamente no vosso lugar. E abençoo todos vós com grande afecto.

Agora dirijo-me aos sacerdotes. Seguindo o conselho do Mestre, venho até vós, presbíteros de uma Igreja que sofreu e ainda sofre, como irmão (cf. Mt. 23, 8) e amigo (cf. Jo.15, 14-15); também como testemunha dos sofrimentos de Cristo (1 Ped. 5, 1).

Quereria saudar-vos um a um, chamar-vos pelo nome, escutar a vossa experiência, ir com cada um de vós ao lugar onde se realiza o vosso ministério no meio do Povo de Deus, nas cidades ou nas povoações, entre os camponeses e os operários. Quereria sobretudo reiterar-vos o meu afecto mais profundo, o agradecimento de toda a Igreja pelo vosso testemunho sacerdotal, a coragem para permanecerdes fiéis embora em meio das dificuldades.

2. Neste momento breve e intenso de comunhão sacerdotal, quero confiar-vos algumas reflexões que nascem do desejo de confirmar em vós a identidade do vosso sacerdócio e o compromisso da vossa missão aqui e agora.

Na nossa vida sacerdotal temos necessidade de reavivar constantemente essa graça que nos foi dada pela imposição das mãos (cf. 2 Tim.1, 6), como se aviva a chama entre as brasas. A recordação da graça sacerdotal, que permanece em nós para sempre em virtude do carácter, permite-nos renovarmo-nos nessa graça de configuração a Cristo e de consagração no Espírito Santo. É a graça de uma maturidade humana e cristã: "Pois Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, amor e sabedoria. Não te envergonhes, portanto, do testemunho de Nosso Senhor..."(2 Tim. 1, 7-8).

Pela ordenação somos ministros que actuam"in persona Christi", "in virtute Spirilus Sancti", com uma plenitude humana fortalecida por esta graça. E esta verdade expressa a riqueza de um serviço eclesial que tem como modelo Cristo, o enviado do Pai, e conta na sua missão com a força do Espírito. Só pensando nesta graça não nos deve assustar a nossa fraqueza, não devem vacilar as nossas forças; não devemos temer perante as dificuldades que, por experiência, sabeis que se apresentam no exercício do nosso ministério de graça e de reconciliação.

De facto, algumas vezes a caridade pastoral que vos deve animar e o desejo de manter a paz e a comunhão, exigem de vós o dom da vida, oferecida momento após momento numa oblação quotidiana, ou na oferenda completa como alguns dos vossos irmãos.

3. Com a recordação da fidelidade a Cristo nosso único Mestre e ao seu Evangelho, quero exortar-vos a manter viva e integra a doutrina da fé da Igreja, pela qual vale a pena entregar-se até dar a vida.

Não vale a pena dá-la por uma ideologia, por um Evangelho mutilado ou instrumentalizado, por uma opção de partido. O sacerdote a quem é confiado o Evangelho e a riqueza do depósito da fé tem que ser o primeiro a identificar-se com essa integridade doutrinal, para ser por sua vez o transmissor fiel da doutrina da Igreja, em comunhão com o seu magistério. Uma transmissão da fé que não se limita à própria diocese ou País, mas que deve abrir-se à dimensão missionária da Igreja.

Por isso, para ser educador da fé do povo, o sacerdote deve haurir o Evangelho aos pés do Mestre em horas de oração pessoal, de meditação da Escritura, de louvor ao Senhor com a liturgia das Horas; deve aprofundar e actualizar a compreensão eclesial da mensagem com um estudo assíduo que requer um compromisso de formação permanente, tão necessário hoje para aprofundar, aperfeiçoar e actualizar os conhecimentos da teologia nas suas várias dimensões: dogma, moral, liturgia, pastoral, espiritualidade. Tudo isto amparado por uma autêntica teologia bíblica.

4. O vosso povo, simples e inteligente, espera de vós essa pregação integra da fé católica, semeada a mãos cheias no terreno fértil de uma fé tradicional e acolhedora, de uma piedade popular que, se tem sempre necessidade de ser evangelizada, é já campo sulcado pelo Espírito para receber essa evangelização e catequese. As circunstâncias dolorosas que atravessamos vossos países não são uma experiência de intensificação dessa sementeira? Não pede o vosso povo razões para crer e para esperar, motivos para amar e para construir, que só podem vir de Cristo e da sua Igreja?

Por isso não defraudeis os pobres do Senhor que vos pedem o pão do Evangelho, o alimento sólido da fé católica segura e integra, a fim de saberem discernir e escolher perante outras predicações e ideologias que não são a mensagem de Jesus Cristo e da sua Igreja. Nesta tarefa eclesial está a vossa incumbência prioritária. Recordai, meus queridos irmãos, que — como já disse aos sacerdotes e às religiosas do México "não sois dirigentes sociais, líderes políticos ou funcionários de um poder temporal" (27 de Janeiro de 1979).

Espera a vossa palavra fiel e autorizada uma juventude generosa, que já não crê nas fáceis promessas de uma sociedade capitalista ou que às vezes sucumbe perante a ilusão de um compromisso revolucionário que pretende mudar as coisas e as estruturas, recorrendo inclusivamente à violência. Não estão também muitos jovens à espera desse anúncio de um Cristo que salva e liberta, que transforma o coração e provoca uma revolução pacífica, mas decisiva, fruto do amor cristão? E se os fascinam outros lideres não será porque não se lhes apresentou Cristo adequadamente, sem deformações?

5. Sois sacerdotes com uma grave responsabilidade nesta hora da Igreja nas vossas nações. Nas vossas mãos deposito uma necessária tarefa de comunhão e de diálogo.

O sacerdote, de facto, é o servidor da comunhão eclesial. A ele compete congregar a comunidade cristã para viver a Eucaristia de maneira que seja a celebração do mistério de Jesus, a fonte e a escola da vida das comunidades. Por isso, o seu lugar é antes de tudo no altar; para pregar a palavra e celebrar os sacramentos; para oferecer o sacrifício e distribuir o pão da vida.

Os fiéis que necessitam de uma palavra de conselho e de conforto querem vê-lo disponível e facilmente identificável, também pelo seu modo de vestir; todos os que necessitam da graça do perdão e da reconciliação esperam que lhes seja fácil encontrar o sacerdote no exercício deste indispensável ministério de salvação, onde o contacto pessoal facilita o crescimento e a maturação dos cristãos. 

Hoje mais do que nunca, perante a escassez de sacerdotes e as graves necessidades da comunidade eclesial, o sacerdote é chamado a uma inteligente missão de promoção do laicado, de animação da comunidade, para que os fiéis se responsabilizem por esses ministérios que lhes competem em virtude do seu baptismo.

Que alegria pode sentir o ministro de Cristo que vê formar-se em seu redor uma comunidade amadurecida, onde surgem os diversos ministérios de catequese, de caridade, de promoção! Que alegria sobretudo quando é capaz de colaborar com a graça de Deus, para que novas vocações sacerdotais assegurem uma continuidade na comunidade cristã! Permiti que insista neste dever que deve preocupar o coração de cada sacerdote: ser instrumento de promoção vocacional com a sua palavra e oração, com o seu exemplo, com o testemunho de uma vida consagrada totalmente ao serviço de Cristo e dos irmãos.

6. O sacerdote deve ser o homem do diálogo. Na sua tarefa de mediador deve assumir corajosamente o risco de fazer de ponte entre diversas tendências, de fomentar a concórdia, de procurar soluções justas frente a situações difíceis.

A opção do cristão e ainda mais a do sacerdote apresenta-se às vezes dramática. Embora sendo intransigente com o erro, não pode estar contra ninguém, pois todos somos irmãos ou, ao máximo, inimigos que ele deve amar segundo o Evangelho; deve abraçar todos, porque todos são filhos de Deus e dar a vida, se for necessário, por todos os seus irmãos. Aqui está com frequência o drama do sacerdote, impelido por diversas tendências, perseguido por opções de parte.

Chamado a fazer uma opção preferencial pelos pobres, não pode ignorar que há uma pobreza radical onde Deus não vive no coração do homem escravizado pelo poder, pelo prazer, pelo dinheiro e pela violência. Também a estes pobres se deve estender a sua missão.

Por isso, o sacerdote é divulgador da misericórdia de Deus e não só pregador da justiça. Deve fazer ressoar a mensagem da conversão para todos, anunciar a reconciliação em Cristo Jesus, que é a nossa Paz e derruba todo o muro de divisão entre os homens (cf. Ef. 2, 14). Este ministério, dos sacerdotes adquire uma importância especial no quadro do Ano Santo da Redenção, que desejei proclamar para ser celebrado na Igreja universal.

Sede vós, queridos sacerdotes, testemunhas desta redenção universal. Proclamai comigo: "Abri de par em par as portas a Cristo Redentor". É como se o Senhor quisesse oferecer-nos a oportunidade de renovar aspectos talvez esquecidos no nosso ministério sacerdotal: a pregação da conversão a Cristo, necessária para todos, aberta a todos; o chamamento à reconciliação, urgente para a humanidade, a todos os níveis. Convertidos e reconciliados, estejamos nós diante dos homens, testemunhas e ministros da redenção de Cristo, dispostos a dar a vida, se for necessário, por esta reconciliação dos irmãos.

7. A vida do sacerdote, como a de Cristo é serviço de amor. O maior testemunho de uma opção radical por Cristo e pelo Evangelho consiste em poder dizer com verdade estas palavras da oração da Igreja: "não vivermos para nós, mas para ele, que por nós morreu e ressuscitou" (Oração eucarística IV).Viver para Ele é viver como Ele, e a sua palavra é peremptória: "quem quiser fazer-se grande entre vós, seja vosso servo. Do mesmo modo, o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida pelo resgate de muitos" (Mt,20, 27-28).

A vossa simplicidade, a vossa pobreza e afabilidade, serão sinal evidente da vossa consagração ao Evangelho; com a vossa disponibilidade para escutar, acolher, ajudar material e espiritualmente os vossos irmãos, sereis testemunhas daquele que não veio para ser servido; mas para servir. Na pureza da intenção do vosso serviço, no desprendimento das coisas materiais encontrareis a liberdade para serdes testemunhas daquele que veio até nós como Servo do Senhor e se nos entregou todo, pois deu a vida por nós.

8. Meus queridos sacerdotes: Oxalá se renove em vós, com este encontro, o sonho daquele dia da vossa ordenação sacerdotal, enriquecido agora com a experiência de um amor fiel a Cristo e ao vosso povo.

Permanecei unidos. Pensai que na unidade está a força da Igreja. Mantende sempre a comunhão com os vossos Pastores, tanto mais necessária quanto mais difíceis são as circunstâncias em que vive uma Igreja particular. Na força da unidade tereis inclusivamente a garantia de um peso moral diante da sociedade, a possibilidade de tornar presente e defender com eficácia a causa dos mais necessitados. Das vossas divisões aproveitar-se-iam, por outro lado, aqueles que querem instrumentalizar o vosso ministério.

Como Sucessor de Pedro quero assegurar-vos o amor e o apoio da Igreja universal, que vos contempla com a esperança de ver confirmada a paz nas vossas nações, reconciliados na justiça com todos os filhos, do povo salvadorenho e centro-americano.

Encomendo-vos à Virgem, Rainha da Paz, como a invocais nesta terra. Ela é Mãe de todos, exemplo de um compromisso com a vontade de Deus e com a história do seu povo. Ajude-vos Ela no vosso ministério de reconciliação, na vossa missão evangelizadora, para que sejais com o vosso compromisso, autênticos discípulos de Cristo. Assim seja.

 



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