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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À ÁUSTRIA
[10-13 DE SETEMBRO DE 1983]

DISCURSO DO SANTO PADRE
AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA ÁUSTRIA

Palácio Arquiepiscopal de Viena
12 de setembro de 1983

 

Meus caros Irmãos no Episcopado

Este encontro tem um carácter familiar. Hoje o nosso círculo é pequeno e recolhido. Já me encontrei antes com a maioria. Alguns de vós já conheço há muito tempo e — como o Presidente da vossa Conferência Episcopal, o nosso venerado Cardeal — estou em íntima ligação com eles e junto deles, graças aos muitos colóquios mantidos.

Mas também um encontro familiar pode ser às vezes um momento de esclarecimento, quando as situações particulares exigem uma palavra que sirva de orientação no momento presente e de directriz para o futuro. Neste sentido desejaria dirigir-me a vós hoje. Deixai que vos comunique quais são os meus pensamentos, ou melhor, deixai que eu reflicta convosco sobre um ponto de vista que se refere ao serviço à Igreja do vosso País.

Nos últimos anos mudou o modo de exercer o serviço episcopal. A concepção da Igreja que nos vem do Concílio, como também o pensamento contemporâneo, mudaram de modo considerável o estilo ministerial do Bispo. Hoje, os Bispos devem estar mais perto dos seus fiéis. Os recintos das convenções e alguns formalismos desapareceram. E quem quer que sinta no Evangelho o apelo a uma fraternidade maior entre os cristãos, não pode deixar de ser grato por esta redescoberta de maior união. Mais ainda: quem tem o peso deste ministério reconhece nele uma possibilidade, no encontro directo com muitos cristãos, de pôr em evidência a própria relação com Deus e deste modo tornar eficaz a própria pessoal convicção de fé para a pastoral. Eu mesmo experimento-o em mim durante as minhas visitas dominicais às paróquias romanas.

Parece-me que os homens de hoje têm necessidade de ser de maneira enérgica revigorados na fé mediante o testemunho daqueles que estão ligados a Deus. Para todos os membros da Igreja, sobretudo para os co-irmãos no ministério sacerdotal, o intercâmbio espiritual pode servir de grande auxílio no caminho que leva a Deus e para o serviço pastoral. Numa palavra, estes encontros são para nós mesmos uma força espiritual. Como deseja o Apóstolo dos gentios, por exemplo, quando escreve à própria comunidade de Roma: "Na verdade, desejo-vos ver, para vos comunicar alguma graça espiritual, a fim de vos fortalecer, "ou antes, para convosco me reconfortar no meio de vós, pela fé que nos é comum a vós e a mim" (Rom. 1, 11).

Para isto o novo estilo do ministério do Bispo não oferece só uma boa possibilidade, torna-se ele em certo sentido um empenho, um "excepcional" instrumento pastoral num período em que para muitos homens a imagem de Deus se tornou obscura e incompreensível.

A experiência da aparente ausência de Deus não pesa só sobre aqueles que estão divididos e distantes, mas é geral. A corrente espiritual da consciência social de hoje, portanto, influencia ao mesmo tempo os membros activos da Igreja, que, embora não sejam do mundo, vivem neste mundo. As necessidades e os desejos são comuns a todos os homens. A Igreja não é uma ilha tranquila. As exigências e os problemas da opinião pública encontram nas dioceses e nas comunidades o seu eco estimulante.

Por isto o prudente pastor deve antes de mais, no mundo e na Igreja, criar espaço à luz que provém da fé na eficaz presença de Deus. A influência do secularismo é evidente. Ele contradiz todos os que consideram lugares comuns as profissões do Credo. "Creio em Deus Pai Todo-Poderoso...". Esta frase incide de facto na vida do cristão de hoje? O católico do nosso tempo poucas vezes coloca a própria existência na perspectiva de Deus. O vínculo quotidiano com Deus não lhe é congénito. Partindo deste pressuposto, o facto que todos os membros da Igreja vivem as suas decisões, temores e alegrias em directo colóquio com o Pai celeste, seria uma ilusão.

Ao contrário: hoje mais do que nunca é forte o problema, quando as implicações inerentes à obra da Igreja não são esclarecidas pelo trabalho pastoral, quando a implícita premissa da relação com Deus é considerada como garantida. Quando não nos esforçamos mais por viver de modo consciente esta relação, ela perde a sua força.

Jesus na sua vida pública não perde ocasião alguma para recordar a proximidade do Pai — como testemunha o Evangelho de João. Com frequência liga de modo explícito o acontecimento ao Pai que está nos céus — como no colóquio com Nicodemos e com a Samaritana; como na cura do paralítico e do cego de nascença ou durante o grande discurso da Eucaristia. Por toda a parte Ele ensina, conduz espiritualmente os Seus ouvintes ao Pai que actua — que envia o Filho, que deu a vida ao Filho, cujas obras deverão tornar-se públicas, que dá o pão da vida e a Quem se deve adoração. A proclamação do Reino de Deus, isto é, que nós homens somos verdadeira e infinitamente condicionados pelo facto que Deus é o nosso Senhor, é para Jesus o sentido da Sua vinda.

Todos os quatro Evangelhos proclamam, por conseguinte, como para Jesus o Pai está sempre presente, como constantemente a Sua alma O procura. Os Evangelhos fazem também compreender que Jesus deseja tornar profundamente cônscios da presença do Pai os Seus ouvintes. O Senhor actuava no meio de um povo que — com a própria história e religiosidade na vida espiritual e nos costumes — estava numa exemplar relação com Javé. Quanto mais necessidade desta indicação tem o homem de hoje, ao qual Deus parece tão distante, que até inventou uma "Teologia da morte de Deus"!

Viver a vida de todos os dias na perspectiva da imagem de Deus, está sempre nos lábios de Jesus. Portanto não Lhe importa acima de tudo a exigência de assegurar a sua própria dignidade e legitimidade: Ele reconhece em primeiro lugar que o Pai é maior (cf. Jo. 14, 28). Antes, é nesta óptica que se articula a força do Seu Ser; esta força dá-Lhe a palavra. Pois o vínculo com o Pai é para Ele universal.

Por favor, não me compreendais mal! Não desejaria que a referência explícita e sempre nova ao Pai, que age e está presente, em todos os nossos discursos e nas obras da Igreja, fosse recomendada como simples método pastoral. Dirigir-se sem cessar ao Pai que está nos céus como técnica pastoral seria uma grave profanação. Antes, a consciência da Sua proximidade deve crescer, de modo a manifestar-se por si mesma nas palavras e acções. As nossas comunidades e sobretudo os nossos co-irmãos sacerdotes deveriam encontrar no nosso vínculo com Deus a mais profunda motivação de todo o nosso serviço. Assim poderemos convencer de maneira eficaz os nossos irmãos e as nossas irmãs desta presença de Deus e despertar neles o desejo de procurar de modo cada vez mais intimo a união com Deus e com a Sua vontade.

Quem deseja viver profundamente esta relação com o Pai que está nos céus, não pode fazer algo melhor do que olhar para Jesus. O Novo Testamento dá-nos — embora não de modo completo — indicações sobre o modo como Jesus cuida da confidência com o Pai. Antes de mais há as referências sobre os prolongados tempos de oração, que desejo aqui recordar, por exemplo, antes de escolher os Doze Apóstolos (cf. Lc. 6, 12).

A comunhão com o Pai na oração prolongada, na por assim dizer, imersão mística, é a fonte decisiva do abandono de Jesus no Pai. Protegido pelo Pai, não pergunta com temor qual será o seu futuro e aconselha também a Quem o escuta, que não vise o dinheiro e os bens, mas que renuncie às preocupações das posses e da segurança. Ele abraça com soberana coragem a causa de Deus e da Sua honra, sem temer os homens. Ele causa admiração aos seus contemporâneos que por Seu meio honram a Maria (cf. Lc. 18, 27) e n*Ele magnificam a força de convicção de um homem que falava "como alguém que tem autoridade" (cf. Mt. 9, 8; Mc. 2, 1-12; Lc. 5, 17-26).

Na exemplaridade do Seu ser, o Senhor é para nós bem mais que um simples modelo. Não seguimos a Jesus ao longo dos caminhos bíblicos como fazemos para outras grandes personagens do passado. Imergimo-nos antes numa união íntima e cheia de amor com Ele, que superou os eventos da história e está presente em espírito em cada um de nós em todos os tempos. Assim unidos a Ele, podemos, mediante Ele, entregar a nossa existência ao Pai. Podemos defender-nos da desesperação que provém do afastamento de Deus. Podemos conter o ímpeto do materialismo dos homens, porque testemunhamos a nossa confiança na bondade do Pai. E até mesmo uma oposição decisiva da opinião pública, no seio da Igreja e da sociedade, não pode abalar a nossa coragem, quando defendemos os direitos de Deus e a fé da Igreja universal.

O Concílio Vaticano II disse claramente qual é e como deve agir o ministério episcopal. Sobretudo a Constituição Apostólica recorda-nos que nós Bispos "presidimos no lugar de Deus ao rebanho do qual somos pastores, como mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado, ministros do governo" (Lumen gentium, 20). As reflexões que até aqui expressei são sublinhadas pela segurança desta mesma frase, que nós cumprimos o nosso serviço "no lugar de Deus".

Nós exercemos o nosso serviço como indivíduos e na nossa responsabilidade individual. Mas a cada Bispo é dado o poder de exercer o já mencionado tríplice múnus, só enquanto ele é membro do Colégio universal dos Bispos. Por este motivo, com a nomeação para Bispo, deriva um explícito empenho pela unidade.

Pois, se o Espírito de Deus nos confiou na sucessão dos Apóstolos, o cuidado da Igreja de Deus, que outra coisa senão a unidade poderia determinar o nosso agir?

Esta unidade é determinante para a vossa Conferência Episcopal e para os seus trabalhos. Ninguém pode avaliar quanto sejam importantes as reflexões e as decisões deste programa eclesial para os homens e para as Igrejas locais da vossa Pátria, e também para além dela. Ainda mais significativa é a unidade colegial com todo o Episcopado. E esta só nasce quando o Colégio episcopal se sente unido ao redor do Papa como supremo pastor; pois o Colégio episcopal, sem a sua cabeça, desperder-se-ia. Embora existam questões teológicas e éticas, que nos tornam, na nossa qualidade de Bispos, sinais de contradição para o nosso empenho pela unidade, apesar disto a "communio", neste contexto, torna-se uma fundamental exigência teológica.

A Constituição Apostólica escreve também: "Os Bispos, quando ensinam em comunhão com o Romano Pontífice, devem ser respeitados por todos como testemunhas da verdade divina e católica. Devem os fiéis acatar uma sentença sobre a fé e a moral proferida pelo seu Bispo em nome de Cristo, e devem ater-se a ela com respeitoso obséquio do espírito" (Lumen gentium, 25).

Caros Irmãos no Episcopado, o Concílio Vaticano II foi para a Igreja um novo início cheio de promessas, cujos impulsos foram determinantes para o vosso serviço na Áustria. Também as minhas visitas noutros Continentes e Países querem dar maior força a estas inovações. Estou profundamente convicto de que este renovamento desenvolverá uma dinâmica tanto mais eficaz quanto com mais constância e fidelidade nós, os pastores do rebanho, procurarmos na união com Jesus a aproximação do Pai que está nos céus. Só então seremos condicionados pelo Espírito de Cristo, e não pelas nossas ideias particulares. Só então conseguiremos ser pais espirituais dos nossos sacerdotes e, como irmãos persuasivos, transmitir-lhes a viva centelha da esperança, que muitos deles exigem. Eles, por sua vez, poderão inspirar os leigos das suas dioceses a darem a justa resposta às provocações que vêm da sociedade e do Estado, e a suportar o peso da vida à luz da alegria que eles hão-de haurir da união em Deus (cf. Heb. 12, 3).

Oxalá a Mãe de Deus — que o vosso povo venera há muito tempo e de modo íntimo em muitos lugares do vosso País — interceda por nós a fim de que este nosso encontro possa ser abençoado por Deus.

 



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