DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AO SENHOR ADNAN BAHJAT AL TALHOUNI
EMBAIXADOR DO REINO HACHEMITA DA JORDÂNIA
JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO
DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS
Quinta-feira, 28 de Maio de 1998
Senhor Embaixador
É-me grato acolher Vossa Excelência hoje e receber as Cartas Credenciais através das quais Sua Majestade o Rei Hussein Bin Talal o designa Embaixador do Reino Hachemita da Jordânia junto da Santa Sé. Desde o estabelecimento das nossas relações diplomáticas, Vossa Excelência é o terceiro na ilustre sequência de Embaixadores que trabalharam de maneira activa para fortalecer os laços que nos vinculam. Apresento-lhe os meus melhores votos pelo bom êxito da sua missão. Agradeço-lhe as saudações que me transmitiu da parte de Sua Majestade o Rei e peço que lhe comunique os meus cumprimentos e o assegure das minhas orações pela paz e prosperidade da nação.
É inevitável que a paz e a prosperidade da Jordânia estejam intimamente vinculadas à situação no Médio Oriente em geral. Nos últimos anos, surgiram esperanças de que as negociações haveriam de trazer soluções pacíficas para os inumeráveis problemas da região. Contudo, estas esperanças ainda não se realizaram. Na verdade, hoje a perspectiva da sua concretização parece mesmo ter retrocedido.
É óbvio que não existirá paz se não houver a vontade de percorrer a vereda do diálogo e da compreensão, a única que pode conduzir à paz. Quando esta determinação não está presente em todas as partes, a frustração e o ódio prevalecem e, eventualmente, levam à violência. Presto homenagem ao seu país e a Sua Majestade o Rei, porque a Jordânia tem demonstrado um forte desejo de percorrer o caminho do diálogo e do entendimento, de trabalhar paciente e corajosamente pela paz. As mais recentes negociações demonstram que, com a perspectiva de uma interrupção do processo de paz, que seria desastroso para todos, ainda há determinação em vista de encontrar soluções não violentas. A minha ardente esperança é de que prevaleça a voz da razão. Reitero uma vez mais que só existe um caminho a percorrer para a paz – o do respeito, da justiça e da cooperação. A história tem mostrado muitas vezes que a rejeição do diálogo em vantagem da agressão constitui uma decisão que cria muito mais problemas em vez de os resolver; assim, ela não é uma opção razoável. A única opção sensata, tanto no Médio Oriente como alhures, continua a ser a do diálogo e da compreensão.
Na complexa e difícil situação actual, a Igreja procura oferecer a sua contribuição distintiva, não em benefício de um ou de outro povo, mas em favor da paz, e portanto em prol de todos os povos da região. Nisto, a Igreja sente-se motivada não por um limitado interesse egoísta e institucional, nem pelo cálculo político, mas por um profundo respeito de todos os povos do Médio Oriente e pelo solene dever proposto pelo Evangelho. É o Evangelho, e não qualquer ideologia, que faz a Igreja ver a verdade acerca da pessoa e da sociedade humanas, uma verdade facilmente obscurecida quando as pressões são muito fortes e as complexidades demasiado intimidadoras. Neste contexto, a Igreja procura anunciar a palavra da verdade acerca da pessoa e da sociedade humanas, dado que sem esta verdade qualquer acordo negociável seria ilusório. Faltar-lhe-ia o fundamento certo sobre o qual construir uma paz justa e duradoura.
A Igreja inspira-se numa visão moral que nasce da fé – é verdade – mas que vai muito além dos círculos da fé cristã, a ponto de ser comunicada a todas as pessoas comprometidas no bem comum. Trata-se de uma visão moral que judeus, cristãos e muçulmanos podem compartilhar, porque nasceram de uma tradição de monoteísmo ético. Todos nós somos filhos de uma tradição religiosa que insiste no facto de que o homem não pode adorar o único Deus verdadeiro sem respeitar o imperativo moral que tem as suas raízes em Deus. Em conformidade com esta visão, um processo de paz que ignora a justiça reduzir- se-á, mais cedo ou mais tarde, a um pragmatismo míope, ao egoísmo ou ao oportunismo.
De facto, não pode haver paz sem justiça. De certa forma, todos os povos do Médio Oriente sofreram injustiças e todos têm direitos inalienáveis. A justiça exige que os males sejam reparados e os direitos salvaguardados. Todavia, também não pode haver justiça sem verdade. Entender a necessária relação entre paz, justiça e verdade é compreender a estrutura moral da paz. É isto que qualquer processo de paz deve respeitar acima de tudo; é aqui que a Igreja se compromete em cooperar de todas as formas possíveis.
A história do Médio Oriente demonstra que a religião, quando está vinculada à ideologia, pode causar divisões e até mesmo levar ao conflito violento. Mas também é óbvio que, quando se consente à religião ser aquilo que verdadeiramente é, então ela pode unir e tornar os fiéis capazes de caminhar juntos na confiança e no respeito mútuo. Com a sua Constituição iluminada e as iniciativas em favor do diálogo inter-religioso, tomadas por Sua Majestade o Rei e pelo Príncipe Herdeiro Hassan, o Reino da Jordânia demonstrou que é possível avançar ao longo deste caminho. A minha esperança é de que os cristãos no seu país continuem a participar em todos os sectores da vida social e nas instituições públicas. Mas agora é vital que judeus, cristãos e muçulmanos encontrem um caminho comum que leve ao fortalecimento do recíproco respeito, entendimento e cooperação, inclusivamente para além das fronteiras da Jordânia.
Reflectindo sobre a paz, é inevitável que os meus pensamentos se voltem para a Cidade Santa, com muita frequência destruída e contudo sempre reedificada, cujas pedras constituem um símbolo da desolação humana e ao mesmo tempo da esperança do homem. A longa e conturbada história de Jerusalém cruzar á um novo limiar no ano 2000, no alvorecer do Terceiro Milénio do Cristianismo. A minha fervorosa esperança é de que isto possa suscitar um reconhecimento formal, com a garantia internacional do carácter singular e sagrado da Cidade Santa. Efectivamente, todos nós pertencemos a Jerusalém porque somos seus filhos; se isto é verdadeiro, então a Cidade deve tornar-se um lugar em que todos os povos do mundo possam encontrar-se em paz. A Cidade Santa ocupa sempre um lugar especial na história da Jordânia e no coração do povo jordaniano.
Senhor Embaixador, estou sinceramente persuadido de que os vínculos de amizade e compreensão entre o Reino da Jordânia e a Santa Sé serão revigorados pelo seu tempo de serviço em Roma, de maneira a podermos colaborar cada vez mais efectivamente na busca da paz. Asseguro-lhe a pronta assistência dos vários departamentos e agências da Santa Sé no cumprimento dos seus deveres. Sobre Vossa Excelência, a sua família e o seu querido país, invoco as abundantes bênçãos de Deus Todo- Poderoso.
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