SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE
AOS FIÉIS ESPANHÓIS VINDOS
A ROMA PARA A BEATIFICAÇÃO DE 233 MÁRTIRES
Segunda-feira, 12 de Março de 2001
Queridos Irmãos e Irmãs
1. É-me grato realizar este encontro convosco, queridos peregrinos espanhóis que, acompanhados de um numeroso grupo de Bispos e sacerdotes, assim como de autoridades civis das vossas cidades e regiões, participastes ontem na solene Beatificação de 233 homens e mulheres mártires da perseguição religiosa que, nos anos de 1931-1939, afligiu a Igreja na vossa Pátria. A Beatificação de ontem foi a primeira deste século e do novo milénio, e é significativo que tenha sido de mártires. Com efeito, no século que terminámos não faltaram tribulações em que muitos cristãos "deram a sua vida pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo" (cf. Act 15, 26).
Saúdo com afecto os Senhores Cardeais António Maria Rouco Varela, Arcebispo de Madrid e Presidente da Conferência Episcopal Espanhola, e Ricardo Maria Carles, Arcebispo de Barcelona, assim como D. Agustín García-Gasco, Arcebispo de Valença, Dioceses de onde é natural a maioria dos novos Beatos, D. Francisco Ciuraneta, Bispo de Lleida, e os demais Arcebispos e Bispos aqui presentes. Quero dar as boas-vindas também às autoridades autónomas, provinciais e locais, aos representantes das cidades que agora contam com novos Beatos entre os seus filhos ilustres. Estes novos mártires espalharam a sua mensagem em toda a geografia espanhola. Efectivamente, se consideramos a sua origem, eles provêm de 37 Dioceses e representam 13 Comunidades autónomas, mas o seu testemunho chega a abarcar todo o território espanhol e, por isso, é toda a Igreja na Espanha que ontem se alegrou com este reconhecimento.
2. Muitos de vós são descendentes, familiares ou vizinhos dos novos Beatos. Sei que está aqui presente a viúva de um deles, militante da Acção Católica, assim como numerosos irmãos, filhos e netos dos mártires. Alguns de vós são coirmãos dos religiosos que foram elevados à glória dos altares. Outros são vizinhos dos seus lugares de origem, das localidades onde eles exerceram o seu ministério, onde foram martirizados ou onde estão sepultados. Imagino a emoção que sentis nestes momentos, que esperastes durante tantos anos. Sem dúvida alguma, na vossa vida de fé o seu exemplo foi para vós alentador, pois conservastes a sua memória e, nalguns casos, até mesmo recordações pessoais.
A Beatificação de ontem foi a mais numerosa do meu Pontificado. Com efeito, foram elevados às honras dos altares 233 mártires. Mas um número tão elevado não faz esquecer as características de cada indivíduo. De facto, todos têm uma história pessoal, um nome e um sobrenome que lhe são próprios, determinadas circunstâncias que fazem de cada um deles um modelo de vida, ainda mais eloquente do que a morte livremente aceite como suprema prova da adesão a Cristo e à sua Igreja.
Os mártires, que hoje recordamos com gratidão e veneração, são como que um grande quadro do Evangelho das bem-aventuranças, uma maravilhosa amostra da variedade da única e universal vocação cristã para a santidade (cf. Constituição dogmática Lumen gentium, cap. V). Ao proclamar ontem a santidade deste numeroso grupo de mártires, a Igreja glorificou a Deus.
A santidade não é um privilégio reservado exclusivamente a poucas pessoas. Os caminhos da santidade são múltiplos e podem ser percorridos através dos pequenos acontecimentos concretos de todos os dias, procurando em cada situação um acto de amor. Foi assim que fizeram os novos Beatos mártires. Aqui reside o segredo do cristianismo vivido na sua plenitude. O cristianismo realmente vital que todos os cristãos, de qualquer classe ou condição, são chamados a viver.
Todos nós somos chamados à santidade, pois o que Deus quer de nós, em última análise, é que sejamos santos (cf. 1 Ts 4, 3). Queridos Irmãos e Irmãs da Espanha, julgo que também a vós, como acabei de fazer a todos os fiéis na recente Carta Apostólica Novo millennio ineunte, devo propor de novo com convicção "esta "alta medida" da vida cristã ordinária" (n. 31). O vosso percurso pessoal, o das vossas famílias e comunidades paroquiais seja, hoje mais do que nunca, um caminho de santidade.
3. Assim, encontramos sacerdotes jovens ou anciãos, que exerciam os ministérios mais diversos: párocos, vigários, cónegos, professores; religiosos provenientes dos vastos campos do exercício da caridade, por meio do ensinamento, da atenção às pessoas idosas e enfermas; homens e mulheres, solteiros ou casados, pais de família e trabalhadores dos vários sectores. Na origem do seu martírio e da sua santidade está o próprio Cristo. O denominador comum de todos eles é a sua opção radical por Cristo, acima de todas as coisas, inclusivamente da própria vida. Eles bem podiam expressar-se com São Paulo: "Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro!" (Fl 1, 21).
Com a sua vida e sobretudo com a sua morte, eles ensinam-nos que nada deve antepor-se ao amor que Deus tem por nós e nos manifesta em Jesus Cristo.
Neles, assim como em todos os mártires, a Igreja encontrou sempre uma semente de vida. A tal ponto que podemos afirmar que as comunidades dos primeiros tempos foram forjadas no sangue dos mártires. Porém, o martírio não é unicamente uma realidade que pertence ao passado, mas também uma realidade do tempo actual. Por isso, na recente Carta Apostólica escrevi: não o será também para o século e o milénio que estamos a começar (cf. Novo millennio ineunte, 41)?
Com efeito, é um dado de facto que, no nosso tempo, voltaram os mártires. E como é certo que os tempos mudaram, também o é o facto de que cada dia se apresenta a possibilidade de continuar a padecer sofrimentos por amor a Cristo. Portanto, o horizonte que se apresenta à nossa frente é vasto e apaixonante. Sempre e em todos os lugares, os cristãos devem estar dispostos a difundir a luz da vida, que é Cristo, até ao derramento do seu próprio sangue (cf. Dignitatis humanae, 14). Devemos estar dispostos a seguir as pegadas dos mártires e a viver, como eles, a santidade plenamente com Ele, por Ele e n'Ele.
A herança destas destemidas testemunhas da fé, "arquivos da verdade, escritos com letras de sangue" (Catecismo da Igreja Católica, n. 2474), legou-nos um património que fala com voz mais forte do que a da indiferença vergonhosa. É a voz que reclama a presença urgente na vida pública. Uma presença viva e serena que, com a clara transparência do Evangelho, nos levará a apresentar com naturalidade, mas também com firmeza, a sua radicalidade sempre actual aos homens e mulheres do nosso tempo.
Assim, trata-se de uma herança cuja linguagem é a do testemunho. Este património continue a produzir frutos abundantes através das vossas vidas e compromissos, manifestando a extraordinária presença do mistério de Deus que, actuando sempre e em toda a parte, nos chama à reconciliação e à vida nova em Cristo.
4. Queridos irmãos, o seu testemunho não pode nem deve ser esquecido. Eles manifestam a vitalidade das vossas Igrejas locais. O seu exemplo faça de cada um uma testemunha viva e credível da Boa Nova para os tempos novos. A sua imitação leve a produzir abundantes frutos de amor e de esperança na sociedade actual. Esta é a minha vontade. Promovei a cultura da vida.
Fazei-o com a palavra, mas também com gestos concretos. A oração pela conversão radical e sincera de todos à lei do Amor e o compromisso específico e generoso em benefício da mesma constituem o fundamento da convivência entre os homens, as famílias e os povos. Regressai às vossas localidades e comunidades dispostos a trabalhar apostolicamente na Igreja e pela Igreja.
Fazei das bem-aventuranças uma realidade nos vossos lugares de origem. Impregnai a realidade quotidiana com o único programa do Evangelho, que é o programa do amor. Levai Cristo às vossas vidas, às vossas comunidades, à vossa terra e à vossa história. Sede sempre e em todo os lugares testemunhas vivas e credíveis do amor, da unidade e da paz. Nesta tarefa, acompanham-vos sempre a minha oração, o meu afecto e a minha bênção, que vos concedo do íntimo do coração.
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