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PAPA PAULO VI

AUDIÊNCIA GERAL

Quarta-feira, 20 de Outubro de 1971

 

A santidade na Igreja

A beatificação do Padre Maximiliano Kolbe, que se realizou no domingo passado, nesta Basílica de São Pedro, chama a nossa atenção para uma «nota », ou seja, para um aspecto exterior e para uma propriedade interior da Igreja: a santidade. É sobre ela que hoje desejamos falar brevemente. Dizemos que a Igreja é santa. Porque e como?

Antes de tudo, ao propor este tema para o nosso encontro na audiência geral, seguimos o método, que nos propusemos há algum tempo, da observação positiva e optimista, se quiserdes, que nos leva a descobrir e a considerar os valores positivos, construtivos e elevados, que revelam a obra de Deus na Igreja e o esforço dos filhos que lhe são fiéis, por corresponderem à própria vocação cristã.

Queremos, assim, convidar estes nossos filhos a não dirigirem, sistemàticamente, o olhar, quase por opinião preconcebida, para os aspectos negativos da Igreja, ou melhor, da vida dos que pertencem à Igreja, mas sim a considerarem a perspectiva confortadora, edificante e tonificante da vida eclesiástica. Por outras palavras, a passarem da crítica demolidora à observação amorosa da sua realidade (cfr. Yves Congar, Vraie et fausse réforme dans l'Église, Introd.).

A primeira pretende ser realista. Talvez nascendo de uma boa intenção, quer ser reformadora e, por isso, arroga-se a função de denunciar, sem meias palavras, as fraquezas e os defeitos da Igreja de hoje, no que diz respeito ao seu compromisso evangélico, para manifestar o desejo do advento de uma Igreja nova, idealizada segundo as próprias exigências críticas e, muitas vezes, utópicas e subversivas.

É um comportamento perigoso, embora, algumas vezes, seja adoptado por espíritos inteligentes e ganhe terreno em certos ambientes animados pelo espírito de renovação. É perigoso, porque não suporta a comunhão efectiva e cordial dos irmãos e dos pastores da Igreja; porque, partindo frequentemente de observações objectivas, chega fàcilmente a conclusões subjectivas arbitrárias, destituídas de sentido histórico e de realismo humano e social, rejeitando a doutrina da Igreja, para abraçar teorias e políticas contrárias à fé; porque, assumindo atitudes severas e exigentes, nos campos da cultura e da moral, em relação à Igreja institucional, cai, depois, num fácil conformismo, no que se refere às ideias que estão na moda e, frequentemente, acaba por pretender a abolição de normas morais de grande importância; porque se arroga aquela faculdade de julgar que ele contestou na autoridade legítima e responsável; perigoso, enfim, porque esgota ràpidamente as reservas de caridade, armazenadas, no momento da partida, impelido por uma veleidade profética de se agarrar ao fio das origens cristãs, para, infelizmente, se transformar bem depressa num acusador polémico e intemperante, substituindo o amor humilde e veraz por uma auto-suficiência ambiciosa, litigiosa e solidária.

Mas digamos imediatamente: a visão que desejamos encontrar nos nossos filhos fiéis não é uma visão convencional e unilateral, sempre puerilmente encomiadora, míope ou cega, em relação aos erros e aos defeitos da vida da Igreja; não pretende ser destituída de crítica e parcial; obediente até à passividade, serviçal até à adulação. Também ela quer ser objectiva, reconhecendo as faltas, assim como as virtudes e os méritos; promovendo, constantemente, a devida renovação da Igreja; e amando-a sempre, ou melhor, amando-a tanto mais, quanto maiores são as suas necessidades e as suas falhas. Esta é a direcção para a qual desejamos que os filhos fiéis da Igreja se orientem.

A prova disto é que nós próprio procuramos compreender tudo o que pode haver de bom, de verdadeiro e de útil nas atitudes negativas a que nos referimos. Procuramos tirar proveito das críticas contra a vida eclesial, como ela é, para melhor compreender como deveria ser. Procuramos acolher, nas manifestações de inquietude e confusão que nos circundam, as aspirações que nelas se escondem a uma vida cristã autêntica, distinguindo-a de um instintivo compromisso com a nova mitologia de um humanismo económico, erótico e revolucionário.

A nossa orientação, repetimos mais uma vez, visa à santidade da Igreja e na Igreja.

Quem tem fé na palavra do Senhor não pode pretender contestar o facto que a Igreja é santa, ou esquecer-se dele. Aqui, o termo «Igreja » refere-se ao mistério da sua definição, no pensamento divino, ou seja, ao plano de amor e de salvação com que Deus concebeu a humanidade, capaz de Lhe atribuir o nome de Pai, porque recebe a sua vida de Cristo, da Palavra e do Espírito de Cristo. A Igreja é santa, porque foi elevada a uma vida sobrenatural e admitida a uma inefável comunhão com o Deus vivo, uno e trino. É santa, porque foi constituída como sacramento e veículo desta efusão divina, a que chamamos graça. Por este motivo, é a « Mãe dos Santos », ou seja, está revestida de poderes regeneradores e santificadores. É santa, porque já nesta passagem, pela terra e pelo tempo, os homens que lhe pertencem são santos, numa determinada medida e num certo regime actual de tendência à santidade perfeita (cfr. Rom 1, 7), são « estirpe eleita, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido...» (1 Ped 2, 9-10), são consagrados a Deus.

A Igreja é a zona de luz celeste projectada no mundo. Portanto, é santa no desígnio de Deus e na economia da graça, que a circunda. É a « Santa Igreja ». Isto deveria ser suficiente para procurarmos o seu conceito regenerador, a sua imagem ideal, na pátria de origem e de chegada, que é exactamente Deus Criador, que se revela como Deus Amor, e também para associarmos a imagem da Igreja à sua identificação com o maior grau de beleza que se pode reflectir no vulto da humanidade.

A santidade da Igreja não é suficiente para nos tornar contemplativos, entusiastas e felizes? O que é a beleza, senão uma revelação do Espírito? Onde poderemos encontrar esta revelação de um modo mais intuitivo e beatificante do que na humanidade, que se tornou Corpo de Cristo e templo vivo do Espírito Santo?

Por causa da Igreja, sabemos fazer nosso o júbilo do salmista, ao dizer: «Como são amáveis as vossas moradas, Deus Todo-Poderoso » (Sl 84 [83], 2)?

Mas, imediatamente depois, ficamos desiludidos. A santidade da Igreja, considerada no seu desígnio ideal e divino, nem sempre corresponde a santidade da Igreja, vista na sua realidade humana, na realidade dos seus membros. Estes, embora tenham sido admitidos naquele reino de Deus, que já está dentro de nós (cfr. Lc 17, 21), continuam a ser homens débeis, frágeis e pecadores. Foi por isso que o Senhor disse: « O reino dos Céus tem sido objecto de violência e os violentos apoderam-se dele à força» (Mt 11, 12). Segue-se, então, que a incoerência entre a vocação à santidade, própria dos cristãos, e a sua imperfeição moral, provocam escândalo, um escândalo muito comum, que impressiona fàcilmente a opinião pública, e provocam a indignação d'Aquele que nos convidou para o banquete: « Amigo, disse ele, como entraste aqui sem o traje nupcial? » (Mt 22, 12). Para nós, porém, que amamos a santa Igreja, não é um escândalo, mas sim motivo de sofrimento, de estímulo, de exame de consciência, de vontade de reparação e de compreensão evangélica (Lc 9, 55).

Esta imperiosa exigência de conformidade do comportamento, ou melhor, da perfeição moral coerente, com o carácter religioso e místico do discípulo do Evangelho, constitui um dos critérios fundamentais da vida cristã pessoal e colectiva. Obrigando-nos a submeter, continuamente, a vida cristã a uma vigilância crítica, esta exigência diz respeito, inexoràvelmente, a cada um de nós, mais do que aos outros: sou realmente fiel, sou de facto cristão?

Antes de julgar os outros, devemos julgar-nos a nós mesmos. Trata-se de uma questão estimulante, da qual nascem, a nosso ver, fecundas energias morais, geradoras dos sentimentos e dos costumes que caracterizam a comunidade eclesial: advertem-na da sua condição de « Igreja peregrina », de humanidade a caminho para um aperfeiçoamento que lhe é sempre necessário, e despertam, nalguns espíritos valorosos, uma tensão interior, que, ao aumentar o seu sentido profundo de humanidade, lhes comunica um anseio audacioso de santidade.

Este facto, certamente por um impulso da graça, ainda é operante na Igreja de Deus e podemos observá-lo em muitas existências, que talvez estejam perto de nós, e que, sem alcançar o nível extraordinário da notoriedade, canonizada pela Igreja, podem, sem dúvida, chamar-se santas. Devemos fixar os olhos nesta santidade, para gozar da sua visão edificante, receber o seu estímulo e acolher a sua virtude reformadora.

 

 



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