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CELEBRAÇÃO DO JUBILEU DOS TRABALHADORES NO ANO SANTO DA REDENÇÃO

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Basílica Vaticana
18 de Março de 1984

 

1. "'Deixa a tua terra', a tua família e a casa do teu pai, e vai para a terra que Eu te indicar..." (Gén. 2-11).

A ordem de Deus, que Abrão ― chamado depois Abraão — recebeu estas palavras, marca o início da história deste pai de todos os crentes. Abrão, de facto, acolheu com fé a palavra da ordem divina. Ela torna-se também o início da sua peregrinação de Harân, do país de Ur, para a terra de Canaã, que se tornou para ele a terra prometida por Deus. O Senhor fez também uma outra promessa, dizendo a Abraão:

"Farei de ti um grande povo, abençoar-te-ei, engrandecerei o teu nome e serás uma fonte de bênçãos... E todas as famílias da terra serão em ti abençoadas" (ibid., vv. 2-3).

Em virtude destas palavras —  caros trabalhadores e trabalhadoras vindos a Roma em peregrinação — inicia então não só a peregrinação terrena de Abraão: peregrinação em primeiro lugar de uma família e em seguida a da estirpe, da tribo e da nação, que enche a história do Antigo Testamento:

peregrinação que tem o seu início na fé e que será a sorte de todas as gerações do Povo de Deus na Antiga na Nova Aliança.

É uma peregrinação que tem uma dimensão espiritual e sobrenatural; é um interior estender-se para a direcção indicada pela Promessa do Deus da Aliança, do Deus de Abraão. Esse estender-se, iniciado na fé de Abraão, encontra o seu ápice na vinda terrena de Jesus Cristo, Filho de Deus. Deste vértice manifesta-se a perspectiva definitiva daquele Reino de Deus, no qual devem encontrar bênção "todas as famílias da terra".

Hoje, segundo Domingo da Quaresma, a Igreja conduz-nos a este vértice, diante do Cristo da promessa messiânica: ao monte Tabor, depois de nos ter mostrado o início da vida espiritual do inteiro Povo de Deus no coração de Abraão, pai de todos os crentes. A Quaresma constitui para a Igreja um período de peregrinação na fé particularmente intenso.

2. A Basílica de São Pedro acolhe hoje os representantes dos ambientes de trabalho, para aqui vindos de muitas partes da Itália, de vários Países da Europa e também de outros Continentes.

Estão aqui connosco os agricultores, isto é, aqueles que com a sua quotidiana fadiga tiram da terra os produtos com que todos nos alimentamos.

Estão os operários, isto é, os representantes daquele mundo da indústria, que deu uma feição nova à nossa civilização.

Depois, aqui está uma grande falange de artesãos, isto é, daquela categoria que nas suas multiformes articulações desenvolve uma parte importante na economia. Artesãos foram também São José e Jesus.

Estão presentes também as colaboradoras familiares, que representam as inúmeras pessoas que, no escondimento das paredes domésticas, desempenham os humildes mas indispensáveis serviços de casa.

O pensamento estende-se depois aos técnicos, aos empregados, aos adidos ao comércio, ao pessoal dos serviços públicos, e aos emigrantes.

A todos, com a certeza do meu afecto, cheguem os votos de um fecundo empenho, sempre conscientes dos fundamentais valores humanos em jogo.

3. Caríssimos irmãos e irmãs, ligados ao banco do trabalho, a vossa peregrinação de hoje aos túmulos dos Apóstolos, aos lugares que se tornaram sagrados pelo martírio dos Santos Pedro e Paulo e de tantas outras heróicas testemunhas do mistério da Redenção, constitui uma etapa particular daquela peregrinação espiritual, cujo início remonta à fé de Abraão.

Ao mesmo tempo esta vossa presença — no âmbito do Jubileu extraordinário da Redenção — possui particular eloquência. De facto, vindes aqui como representantes qualificados do mundo do trabalho, trazendo convosco a vasta e multíplice experiência do trabalho humano e os numerosos problemas que dele derivam para a vida pessoal, familiar, profissional e social.

A experiência do trabalho humano — a inteira experiência, passada e presente, do trabalho humano — tem o seu início nas palavras pronunciadas pelo Criador ao primeiro homem e à primeira mulher: "crescei e multiplicai-vos, e dominai a terra" (cf, Gen. 1, 28). Embora nestas palavras não apareça o termo "trabalho", nelas encontramos clara referência à realidade do trabalho. As palavras do Criador estabelecem o trabalho como constante coeficiente da vida humana na perspectiva da existência terrena.

O trabalho une o homem à terra, ao mundo, aos seus múltiplos recursos. Ele serve para o aproveitamento destes recursos e para a transformação do mundo sob o ponto de vista das necessidades do homem. Nesse conceito está contido qualquer trabalho humano, tanto físico como intelectual. Pode dizer-se que, partindo das palavras narradas pelo Livro do Génesis, a humanidade iniciou o seu peregrinar histórico, que a une à terra, e passa através das vicissitudes das diversas civilizações e das sucessivas conquistas do homem por meio do trabalho.

Contemporaneamente porém, precisamente a este homem, ligado, por meio do trabalho, à terra e ao mundo visível, são dirigidas na pessoa de Abraão as palavras: "deixa a tua terra"! Elas são as palavras do Deus vivo, que manifestam diante do homem a perspectiva do reino dos céus como "terra prometida", símbolo do seu destino definitivo, que é Deus mesmo. Estas palavras podem ser acolhidas só mediante a fé. E assim as acolheram Abraão e a sua inteira descendência espiritual.

A dimensão do trabalho na vocação terrena do homem está unida à dimensão do Reino de Deus por meio da fé.

4. Nestas duas dimensões entra Jesus de Nazaré: Jesus Cristo. Aquele em quem atinge o seu ápice a promessa feita a Abraão. Cristo anuncia o Evangelho do Reino dos céus, e, ao mesmo tempo, dedica ao trabalho ao lado de José, carpinteiro de Nazaré, a maior parte dos anos da própria vida.

Precisamente amanhã —  19 de Março — celebramos a anual solenidade de São José. Ela impõe-nos ler com atenção este Evangelho do trabalho, que Jesus proclamou com toda a sua vida, e de modo especial com a sua vida oculta em Nazaré, quando trabalhava fisicamente ao lado de José e de Maria.

Com esta sua escolha Ele fez do trabalho uma parte integrante da obra da Redenção. Jesus Cristo redimiu o mundo e a humanidade, enfim, por meio da cruz e da ressurreição. Isto não impede, porém, que toda a sua vida terrena desde o momento da concepção no seio da Virgem-Mãe — e em particular o seu trabalho — se insira no conjunto da missão redentora, para a qual Ele veio ao mundo. Cristo redimiu o mundo também mediante o trabalho.

Nesta luz o trabalho humano apresenta-se como redimido, isto é, de novo a nós oferecido por Deus, Criador e Pai, em Jesus Cristo. E, ao mesmo tempo o Evangelho do trabalho proclama que todo o homem que trabalha em união com Cristo, participa na Redenção operada por Ele. O trabalho adquire assim um novo valor para o homem: torna-se algo sagrado.

A Igreja, ao longo dos séculos tem constantemente proclamado o Evangelho do trabalho. Sublinhou todos os seus valores: sociais, económicos, culturais; sobretudo pôs em relevo a dignidade pessoal do trabalho humano e ensinou aos seus filhos e às suas filhas a participarem mediante o trabalho na obra da Redenção do mundo.

Neste Ano jubilar da Redenção, a isto somos chamados de um modo particular.

5. A transfiguração no monte Tabor, que por meio da leitura do Evangelho de São Mateus nos vem recordada pela Liturgia deste Domingo da Quaresma, constitui quase um raio especial daquela luz, que Jesus Cristo projecta sobre a vida e sobre a imortalidade do homem.

Esta é a meta, para a qual inteiras gerações do Povo de Deus vão peregrinando na fé. São as gerações dos homens do trabalho. E homens da trabalho eram também os três apóstolos Pedro, Tiago e João, aos quais foi dado participar no acontecimento do monte Tabor.

Mediante o Evangelho da Transfiguração, Cristo projecta uma luz particular sobre a vida e sobre a imortalidade, nas quais os homens devem tomar parte no Reino dos céus. Este Evangelho fala da elevação espiritual do homem à semelhança do Filho de Deus, e da sua imortalidade em Deus. O homem alcança em Jesus Cristo esta elevação e esta dignidade. N'Ele o homem caminha para a própria imortalidade gloriosa.

A Transfiguração do Senhor prepara os Apóstolos para a Paixão de Cristo, mas antes de tudo para a sua Ressurreição.

6. Vós todos, caros Irmãos e Irmãs, que hoje participais na Eucaristia e escutais o Evangelho da Transfiguração do Senhor, revigorai a vossa fé na elevação espiritual do homem em Jesus Cristo. E, ao mesmo tempo, considerai o modo como unir esta dimensão de fé — a dimensão do Reino de Deus, na qual o Evangelho desvela diante de nós a perspectiva da imortalidade — à dimensão do trabalho, que desde o início é a vocação terrena do homem. Esta vocação liga-nos ao mundo e encerra-se com a perspectiva da morte.

Como unir estas duas dimensões: o trabalho e a Redenção, a temporalidade e a imortalidade?

Escutemos as palavras do apóstolo Paulo na Carta a Timóteo: "Participa comigo nos trabalhos do Evangelho, fortificado pelo poder de Deus. Ele nos salvou e nos chamou para a santidade... em virtude do Seu desígnio e graça, que nos foi dada em Jesus Cristo..." (2 Tim. 1, 8-9).

Participa nas fadigas do Evangelho!

É precisamente este o apelo do Ano Santo da Redenção, que responde à nossa peregrinação na fé. Responde de modo particular a tua hodierna peregrinação do Jubileu extraordinário.

"Participa, também tu... nos trabalhos do Evangelho!".

Estas duas dimensões: a dimensão do trabalho e a dimensão da fé, não estão separadas, assim como separadas não estão a dimensão do mundo e a dimensão do reino de Deus.

Elas foram unidas no eterno pensamento e na eterna vontade do Criador. Desde o início, o caminho da fé passa pelo trabalho, e o caminho do trabalho passa pela fé.

Jesus Cristo — o Filho muito amado no Qual o Pai pôs todo o Seu enlevo — confirmou-o com todo o seu Evangelho do trabalho.

Portanto, não é verdade que o caminho da fé e a esperança do reino de Deus desviam o homem do trabalho. É verdadeiro o contrário: são precisamente eles que iluminam o trabalho humano, são eles que desvendam até ao fundo o seu sentido o seu verdadeiro valor. É o Evangelho do trabalho, que restitui plenamente ao homem o seu trabalho. Só ele permite ao homem realizar-se a si mesmo como homem, enquanto com a obra das suas mãos transforma a natureza. Só ele dá ao trabalho a sua dignidade. E, ao mesmo tempo, o Evangelho conduz à meta de uma "transfiguração" mediante qual o trabalho participa na imortalidade do homem, tornando-se o caminho da sua salvação.

Só quando é de novo dado completamente ao homem em Jesus Cristo, o trabalho se torna dom de Deus à criatura que deve "dominar a terra" (cf. Gên. 1, 28). E de igual modo o mesmo trabalho do homem deve tornar-se dimensão daquela terra prometida ao homem em Deus, para qual se dirigem as gerações do Povo de Deus, crescidas pela fé de Abraão.

7. Caros trabalhadores e trabalhadoras, peregrinos do Ano jubilar da Redenção! Levai convosco este dom da Palavra de Deus, que a Igreja oferece à vossa meditação neste domingo:

"Porque a palavra do Senhor é recta / e todas as Suas obras são fidelidade" (Sl. 32/33, 4).

Que a vossa presença junto dos túmulos dos Apóstolos vos aproxime daquela justiça e daquela graça, que nos são dadas em Jesus Cristo:

"Ele ama a equidade e a justiça, e a terra está cheia das Suas graças (ibid., v. 5).

"Venha sobre nós, ó Senhor, o Vosso amor, / pois esperamos em Vós. (ibid., v. 22).

Sim. A Graça do Ano Santo da Redenção vos envolva. Sede fortes de fé que foi própria de todas as gerações do Povo de Deus! Sede forte do Evangelho do trabalho em Jesus Cristo!

 


Saudação aos trabalhadores em língua portuguesa antes da missa:

O Senhor esteja convosco, amados trabalhadores de língua portuguesa! Saúdo e convido todos à oferta e à prece nesta Eucaristia: para que o vosso trabalho seja sempre glorificação de Deus, sirva a dignidade pessoal e exprima o amor com que colaborais com o Criador e o Redentor, para um mundo mais humano e cristão.

 



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