MENSAGEM AOS PARTICIPANTES NA
CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE:
"O TRABALHO COMO CHAVE DA QUESTÃO SOCIAL"
Senhor Cardeal Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Senhores e Senhoras
1. Sinto-me feliz por vos enviar a minha saudação por ocasião da Conferência internacional sobre: O trabalho como chave da questão social, que o Pontifício Conselho "Justiça e Paz" promoveu, em colaboração com algumas prestigiosas Instituições científicas e culturais. É um encontro aberto aos estudiosos de ciências sociais que estão empenhados nas universidades e nos centros de investigação, e que se situa no vigésimo aniversário da Encíclica Laborem exercens, da qual deseja constituir uma significativa comemoração.
Dirijo a minha cordial saudação a todos os participantes, com um pensamento particular ao Senhor Cardeal François Xavier Nguyên Van Thuân, Presidente do Pontifício Conselho "Justiça e Paz". Desejo a cada um que estes dias de reflexão e de úteis intercâmbios de experiências sejam a ocasião propícia para realçar a dimensão subjectiva do trabalho, em confronto com as profundas transformações económicas e sociais que a época actual está a viver.
2. Neste âmbito importante da vida social, estamos de facto a atravessar uma profunda evolução, que por vezes tem as características de uma radical mudança. É diferente a forma do trabalho, e também mudaram os seus horários e lugares. Nos Países mais industrializados o fenómeno assumiu dimensões que o modelo do trabalho dependente, realizado em grandes fábricas com horários rígidos, já pertence ao passado.
Como qualquer grande transformação, também esta apresenta elementos de tensão e, ao mesmo tempo, de complementaridade entre a dimensão local da economia e a dimensão global; entre a inovação tecnológica e a exigência de salvaguardar os lugares de trabalho; entre o crescimento económico e a compatibilidade ambiental.
Seria um grave erro, contudo, considerar que as mudanças em acto se verificam de maneira determinante. O factor decisivo, por assim dizer "o arbítrio" desta complexa fase de mudança, é uma vez mais o homem, que deve permanecer o verdadeiro protagonista do seu trabalho. Ele pode e deve encarregar-se de modo criativo e responsável das actuais mudanças para fazer com que sejam beneficiados o crescimento da pessoa, da família, da sociedade em que vive e de toda a família humana (cf. Laborem exercens, 10).
A este propósito, é iluminante a chamada à dimensão subjectiva do trabalho, à qual faz referência constante a doutrina social da Igreja: "O trabalho humano provém imediatamente de pessoas criadas à imagem de Deus e chamadas a prolongar, umas com e para as outras, a obra da criação submetendo a terra" (CIC, 2427).
3. Enquanto o homem existir, haverá o gesto livre de autêntica participação na criação que é o trabalho. Ele é um dos componentes fundamentais para a realização da vocação do homem, o qual se manifesta e se descobre sempre como aquele que está chamado por Deus a "dominar a terra". Mesmo querendo, ele não pode deixar de ser "um sujeito que decide de si mesmo" (Laborem exercens, 6). Deus confiou-lhe esta suprema e empenhativa liberdade. Nesta perspectiva, hoje mais do que no passado, podemos repetir que "o trabalho é uma chave, e provavelmente a chave fundamental de toda a questão social" (Ibid., n. 3).
Nestes dias de estudo tendes a possibilidade de verificar que certas interpretações de tipo mecânico e económico da actividade produtiva são superadas pela própria análise científica dos problemas relacionados com o trabalho. Em relação aos anos passados, tais concepções demonstram-se hoje ainda mais inadequadas para interpretar os factos, porque não estão em condições de reconhecer a natureza absolutamente original do trabalho, como actividade livre e criativa do homem.
A rápida e acelerada fase de mudança que o mundo está a viver solicita a superação da actual visão do sistema económico e social, no qual sobretudo as necessidades humanas recebem uma consideração restrita e inadequada. Ao contrário de qualquer outro ser vivo, o homem tem necessidades infinitas, porque é a referência ao transcendente que determina o seu ser e a sua vocação. A partir de tais necessidades, ele enfrenta a aventura da transformação da realidade com as suas ocupações de trabalho de acordo com um empenho ideal que vai sempre além dos resultados nelas obtidos.
4. Se mudam as formas históricas com as quais se exprime o trabalho humano, não mudam sem dúvida as suas exigências permanentes, isto é, o respeito dos direitos inalienáveis. Infelizmente há o perigo de ver negados estes direitos. É o caso, em particular, do desemprego, que nos Países de mais antiga industrialização atinge de maneira inédita camadas significativas de homens e mulheres; penso em quantos eram empregados em processos produtivos que já são obsoletos; penso nos jovens e nos que residem em zonas desfavorecidas, onde ainda permanecem elevadas taxas de desemprego.
Depois, existe uma certa precariedade de trabalho que, se por um lado pode oferecer maiores oportunidades de ocupação, por outro apresenta riscos e ónus dos quais é necessário ocupar-se, como os custos da mobilidade, da requalificação profissional, da própria previdência social.
Nos países menos industrializados verificam-se, além disso, problemas ainda mais dramáticos: a persistência da exploração do trabalho dos menores; o não reconhecimento do valor do trabalho, sobretudo do feminino, na família e fora; a carência de trabalho devida à instabilidade do contexto das relações entre homens, sobretudo nas situações de conflito, e na fragilidade do sistema das relações económicas locais perante as mudanças causadas pela globalização produtiva.
Diante destes problemas, devem imaginar-se e criar-se novas formas de solidariedade, tendo em consideração a interdependência que liga entre si os homens do trabalho. Se a mudança em acto é profunda, ainda mais decidido deverá ser o esforço de inteligência e de vontade para tutelar a dignidade do trabalho, reforçando, nos diversos níveis, as instituições interessadas.
É grande a responsabilidade dos governos, mas não é menos importante a das organizações de tutela dos interesses colectivos dos trabalhadores e dos empregadores. Todos são chamados não só a promover esses interesses de maneira honesta e através do caminho do diálogo, mas também a considerar as suas próprias funções, a sua estrutura, natureza e modalidades de acção. Como escrevi na Encíclica Centesimus annus, estas organizações podem e devem tornar-se "lugares de expressão da personalidade do trabalhador" (n. 15).
5. Para a solução de problemáticas tão amplas e complexas, também vós, cientistas e homens de cultura, estais chamados a fornecer um contributo específico e decisivo. Ocupando-vos dos vários aspectos do trabalho no âmbito das diversas disciplinas, partilhais a responsabilidade de compreender a mudança que se está a verificar nele. Isto significa realçar as ocasiões e os perigos que ele implica; significa, sobretudo, sugerir linhas de acção para guiar a mudança no sentido mais favorável ao desenvolvimento de toda a família humana.
Também a vós cabe a tarefa de ler e interpretar os fenómenos sociais com inteligência e amor da verdade, sem preocupações ditadas por interesses de grupo ou pessoais. Aliás, pode dizer-se que o vosso contributo, precisamente porque é "abstracto", é fundamental para o agir concreto das políticas económicas. Por conseguinte, não vos canseis de dedicar-vos com paciência e rigor científico a tais investigações. Deus vos ajude e vos ilumine com a sabedoria, que é dom do seu Espírito.
Na doutrina social da Igreja podeis encontrar uma orientação e um ponto de referência constantes. Faço votos, de igual modo, por que a própria doutrina social continue a servir-se do vosso contributo, das categorias e das reflexões das ciências sociais, de acordo com aquele diálogo fecundo que é sempre um benefício recíproco.
Com estes sentimentos, enquanto imploro de coração para todos a protecção de Maria Santíssima e do seu Esposo José, humilde e generoso trabalhador, envio a cada um a minha Bênção.
Castelgandolfo, 14 de Setembro de 2001.
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